UMA MENTIRA CHAMADA EUROPA

29-03-2024


Muito se fala na Europa.

Em rigor só se fala na Europa.

É o resultado de sermos um país periférico, que, tendo negado a sua vocação atlântica, se sente excluído, ostracizado, distante, com laivos de sentimento de inferioridade ressabiada, um misto de conformismo e revolta, uma atitude "sala de espera", em que se diz mal de tudo, mas depois não se escreve no livro de reclamações "porque não vai dar em nada".

Já o Eça de Queiroz falava do mesmo em finais do século XIX... não iria ser agora que ia mudar...

Por isso afirmar "que se é da Europa" é assim uma espécie de autoafirmação parola do medíocre a tentar chamar a si alguma atenção e estatuto.

Porque há uma questão que é necessário responder e que, desculpem-me a imodéstia, ainda não vi em lado nenhum no contexto destas discussões de política e geopolítica: existe, de facto, a Europa?

Em termos geográficos e geológicos claro que sim. 

Trata-se de uma placa continental bem definida e delimitada.

Em termos climáticos também temos algum equilíbrio estando na região temperada.

Também partilhamos um mesmo código ético-moral, o judaico-cristão, mas, mesmo aí, já imensamente dividido e, consequentemente, vivenciado, entre católicos-romanos, ortodoxos, luteranos, calvinistas, anglicanos, assim só de memória e, mesmo dentro desses grupos, com imensas divisões. 

Mas, pronto, vamos lá assumir que, na essência, no fundamental, partilhamos a mesma moral e ética.

De resto: mais nada!!

A Europa, em termos culturais, políticos, de mentalidade e vivência, pura e simplesmente não existe.

Pela sua diversidade cultural que acomoda mais de 63 grupos éticos, chegando ao ponto de, numa área não muito grande conter 3 do que, em antropologia, se designam por super-grupos etno-linguísticos, a saber: eslavos, latinos e germânicos. 

A ciência ao afirmar que são super-grupos quer afirmar que as distinções entre os grupos são tão grandes e tão profundas que é muito mais o que os distingue do que os aproxima. 

Por sua vez, cada super-grupo etno-linguístico, divide-se em grupos. 

Por exemplo só o super-grupo etno-linguístico latino, o mais abundante em Portugal, divide-se em 12 grupos, nada comparável com os germânicos que se dividem em 32 grupos, ficando os eslavos com os restantes 19, mas isto somente porque os dividimos com o território Russófono que não estamos a considerar nesta análise e que engloba todos os países no alinhamento oriental da fronteira russa.

Assim, e com simplicidade, podemos descrever, em termos humanos e culturais e sociais, a Europa da seguinte forma: um território de 8.51 milhões de km² (sem a Rússia que, embora geograficamente seja Europa em termos culturais está longe de o ser), onde habitam 741 447 158 indivíduos que, em grande parte, não tem nada a ver uns com os outros.

Uma prova inequívoca desta realidade cultural e social é a história da própria Europa nos últimos 3.000 anos. 

Acho que não deve ter havido um só dia em 1 095 000 dias (fiz as contas) em que, em algum ponto do continente e ilhas adjacentes, não houvesse uma guerra ou um conflito armado de alguma espécie. 

Da Guerra da Gália dos Romanos à Guerra dos 30 anos ou dos 100 anos, o permanente conflito entre Inglaterra e França, da Alemanha com toda a gente, até às 2 guerras mundiais só no século XX e a Guerra dos Balcãs já no século XXI e a recente guerra da Ucrânia (em que, pelo menos, a parte ocidental podemos considerar cultural e socialmente europeia), a Europa sempre foi o centro permanente e a razão dos maiores, mais duradouros e mais sanguinários conflitos que a humanidade já conheceu.

E porquê?

Porque muitos povos que nada tem a ver entre si tem de partilhar um mesmo espaço não muito grande.

É esta realidade que temos de assumir: os povos que habitam a Europa não constituem um povo europeu, porque simplesmente não existe isso de "povo europeu".

Que semelhanças sociais, culturais e mentais tem um português com um alemão, um grego com um dinamarquês, um francês com um finlandês, um italiano com um escocês?

Um português tem muitas mais semelhanças culturais, sociais e mentais com um brasileiro ou um angolano do que tem com um norueguês, por exemplo. E não é só por causa da língua (embora contribua muito).

As relações humanas fazem-se pela partilha de traços culturais, sociais, históricos, linguísticos, éticos e morais.

Viver no mesmo espaço não nos torna iguais, embora nos obrigue à convivência.

E é aqui, na não perceção desta diferença, que a Europa falha redondamente, e é, por isso, que instituições como a União Europeia estão condenadas ou ao fracasso ou a viver na mentira e na hipocrisia.

Porque levaram longe de mais o conceito da Europa, confundindo-se partilha de espaço com partilha de cultura.

Tem todo o nexo as nações europeias chegarem a acordos sobre fronteiras, sobre economia, sobre comercio. São todas áreas que potenciam a boa e sã convivência, a regular e pacifica vizinhança assim como são mecanismos de progresso e desenvolvimento.

Agora, levar essa convivência para o domínio da política, da legislação, das regras e normas que condicionam costumes e vivências, da autonomia de decisão, do próprio modo de ver e se vivenciar a identidade nacional e fazer tudo isso refletir-se nas estruturas sociais, políticas e económicas foi levar longe de mais o "ideal europeu".

Nunca nos entenderemos porque, simplesmente, não pensamos da mesma maneira, não vivemos da mesma maneira, não acreditamos nas mesmas coisas, não temos os mesmos objetivos.

Podemos ser bons vizinhos? 

Claro que sim!

Mas ser vizinho não é ter de viver na mesma casa.

Claro que países como a Alemanha e a França promovem, a todo o custo e tentam convencer toda a gente que há, de facto, uma "Europa" ao nível cultural e social e que este sistema quase federativo pode funcionar. 

Isso explica-se, pura e simplesmente, pela vocação expansionista milenar destes dois países. 

A Alemanha não promove a Europeização, mas sim a Germanização da Europa. 

Faz pela economia e pela política o que tentou fazer no plano militar desde os Habsburgos do século XIII até Adolf Hitler no século XX e falhou.

A França exatamente a mesma coisa, das primitivas e aguerridas tribos Gaulesas (que muito trabalho deram a Júlio César) de Luís XIV a Napoleão, a França também entende a Europa (e mesmo o mundo) como uma "Grande Gália", impondo a sua cultura, o seu modo e estilo de vida, os seus gostos. 

Menos bélicos que os germânicos, os gauleses jogam o seu domínio em áreas como a moda, a culinária, as artes e a cultura. 

Não nos podemos esquecer que a maior empresa do mundo de bens de consumo de luxo é a gigante LVMH, com um valor de mercado superior a 500 mil milhões de dólares, sendo uma das 10 empresas com maior valor do mundo em termos absolutos, competindo numa "tabela" onde se encontram empresas do setor petrolífero, automóvel e tecnológico. É um império que, pela sua faturação, demonstra quanto as pessoas querem, valorizam e consomem os seus produtos, logo, a influencia social e cultural detida por este colosso que mais não faz que promover por todo o mundo a cultura francesa, desde o que se bebe ao que se veste e se come.

Não estou a afirmar que, tanto a Alemanha como a França, o fazem por mal ou com intensão dolosa ou perniciosa.

Nada disso!

São boa gente!

É o modo desses povos serem, assim como os povos nórdicos são bastante isolacionistas e os povos latinos extrovertidos e marítimos.

Agora: o facto de o não fazerem por mal não significa que não o façam, e, de facto, são esses dois países que dominam a União Europeia, que a promovem e que tentam convencer, todos, que existe essa coisa chamada de "Europa".

Claro que tudo isto, gera tenções ou então submissões permanentes.

O Reino Unido, na sua também já antiga tradição (e mais esclarecida de todas) de se assumir como bom vizinho, mas indisposto a partilhar a casa, foi-se embora. 

Outros países, vão mantendo uma distância salutar e silenciosa, como as nações nórdicas, que vão estando, frias e afastadas; outros vão manobrando nas sombras, habituados há séculos a equilíbrios frágeis e a alianças improváveis e inconstantes como os países do centro da Europa. 

Outros são mais contestatários, também por natureza e história, como a Hungria e a Itália. 

Outros, olhem, como são pobres e simpáticos, e o que querem é sol e boa vida, lá se submetem como Portugal, Espanha e Grécia.

Agora, digam-me: 

isto é União? 

É possível políticas comuns, objetivos comuns, vivencias comuns, regras comuns nesta cacofonia de diversidades e antagonismos?

Não!

A Europa, social e culturalmente, é uma inexistência e promover a sua existência é uma farsa hipócrita muito perigosa que terá, como resultado, ou o conflito ou a subjugação dos mais fracos ao poder dos mais fortes.

E, pessoalmente, nenhuma destas opções me agrada minimamente.

Porque, por exemplo, eu sou português, e como minho-galaico, depois de português sou celta e depois disso ibérico e somente, depois, europeu e só porque estou no mesmo maciço continental, senão, nem isso.

Sentir-me-ia muito mais enquadrado no Rio de Janeiro, em Luanda ou em Maputo do que em Berlim ou Helsínquia.

É hora de assumirmos e enfrentarmos o inegável e deixarmo-nos de utopias ou falsidades. 

Porque mais vale sermos bons vizinhos de verdade que teimarmos numa fraternidade que nunca será possível, porque, simplesmente, nunca existiu.


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