PORQUE ISRAEL NÃO VENCE A GUERRA?

26-01-2024

Quando olhamos para a história do envolvimento do Estado de Israel em conflitos não há muitas dúvidas:

Eles vencem e muito rapidamente.

Mesmo quando o poderio do oponente é avassalador.

De facto, foram precisos apenas 6 dias, em 1967 (de 5 a 10 de junho) para Israel vencer a coligação de países que incluíam Síria, Egito, Jordânia e Iraque apoiados pelo Kuwait, Arábia Saudita, Argélia e Sudão.

E não se tratavam de nulidades bélicas.

Não sendo, nenhum deles, também, superpotência, eram todos potências militares, com forças armadas bem treinadas e bem armadas.

Mas perderam em 6 dias.

O mesmo aconteceu a 6 de outubro de 1973 quando, num dos dias mais sagrados do calendário religioso judaico, a festa do Yam Kippur, quando o Egipto e a Síria (mas com a URSS na retaguarda a fornecer Intelligence, Táticas e Armas quase ilimitadas), com uma força e uma organização titânicas literalmente invadiram Israel de surpresa.

Aí o efeito da iniciativa auxiliou muito as forças árabes, mas mesmo assim, em 20 dias, não só Israel tinha vencido como tinha conquistado grandes quantidades de território ao inimigo, como a Faixa de Gaza, os montes Golã e toda a península do Sinai.

Então, neste momento, temos de colocar uma questão que se impõe quase com escândalo:

Se em 6 dias se vence a coligação de 8 países e em 20 de submete um ataque surpresa avassalador com o apoio de uma superpotência, como é possível que em 2 meses Israel não tenha vencido o Hamas, apenas um grupo de radicais?

A resposta é simples:

Porque o PARADIGMA DA GUERRA MUDOU!

Antes uma guerra era simples:

Um país atacava outro com as suas forças armadas.

O atacado defendia-se com as suas próprias forças armadas.

Davam-se batalhas.

Infantaria, cavalaria e artilharia em terra, a força aérea no ar, a apoiar as operações no solo ou em "dog fights" como se vê no Top Gun e no mar, quando o havia, os navios na Armada ou auxiliavam as operações em terra ou lutavam entre si em complexas batalhas navais.

Mais dia menos dia um dos países ia cometer um erro (normalmente de logística ou estratégico), não ia conseguir manter a dinâmica da defesa ou do ataque, perdia a iniciativa, tentava recuperar com a máxima forma e, nesse ultimo ímpeto, expunha-se e perdia a capacidade de resistência até ao ponto da rendição.

Na rendição normalmente um terceiro país atuava como mediador e tentava-se chegar ao que o grande Churchill designou por "vitória honrosa", isto é, assumir a vitória mas sem humilhar o inimigo.

E, no dia seguinte, começa-se a reconstrução e a vida continuava.

De Alexandre a César, de Anibal a Napoleão, de Montgomery a Moshe Dayan, durante séculos, milénios, assim foi.

Isto é o conceito de guerra que existe, este é o conceito de guerra que nos ensinaram e que vemos nos filmes.

Mas essa guerra já não existe.

Em primeiro lugar o Hamas não é um Estado.

É um grupo.

E como se trava uma guerra contra um grupo?

Um grupo não tem território internacionalmente reconhecido, logo não há fronteiras para invadir ou conquistar.

Um grupo também não tem forças armadas, não usa uniforme, não tem patentes nem postos.

Pode-se, segundo o direito internacional, atacar um cidadão, vestido como um cidadão perfeitamente normal, que pega numa arma e começa aos tiros?

É um ato de guerra ou um ato criminoso?

Depois, um grupo não está organizado em batalhões, brigadas e regimentos.

Como se sabe que se ganhou uma batalha?

Como sabemos quem tem a superioridade se nem o próprio grupo sabe quantos elementos tem ou qual é o seu território?

Todos os dias, a quase a todas as horas, há elementos a entrar, outros a sair, alguns dos mortos não tem nada a ver com aquilo, por isso são baixas civis….mas a pessoa que está ao seu lado, exatamente igual, esse já era um combatente, ou foi e deixou de ser, ou tinha-se tornado naquele momento..

E como se travam batalhas quando não há campo de batalha?

Quando há armazéns de armamento de armas e munições em escolas e hospitais, onde se dão ataques nas ruas e praças, onde se recorre ao terrorismo, à tomada de reféns e a escudos humanos como tática de beligerância?

Como se vence um exército que não existe, como se derrota um inimigo que não se consegue definir?

E aqui temos a natureza dos conflitos do século XXI.

Lembro-me sempre da famosa canção do grupo de rock português GNR, que numa letra inspirada (e premonitória) de Rui Reininho, dizia "a memória da batalha clássica foi-se/ a bandeira ser-me-á indiferente" (música "Ao soldado desconfiado", que recomendo).

E não é só na Faixa de Gaza.

Foi assim no Afeganistão, foi assim no Iraque, está a ser assim na Síria.

E os Estados estão num impasse.

Continuam a gastar-se milhões em armas completamente inúteis na atual natureza dos conflitos.

De que serve um F-35 (em que, só no desenvolvimento e conceção se gastaram mais de 400 mil milhões de UDS), contra um adolescente com uma t-shirt do Real de Madrid e uma AK47 de 1960?

Qual a eficiência de um M1 Abrams (carro de combate de fabrico Norte Americano) contra um idoso com seu barrete tribal e um RPG7? (Como se viu num video divulgado pelo próprio Hamas).

De que serve um batalhão de infantaria altamente armada, com miras lazer, sistemas de visão noturna e câmaras térmicas a executar uma operação num mercado onde 1/3 são vendedores honestos, 1/3 são clientes inocentes e 1/3 são "combatentes" indistintos, sem treino, sem ordem, sem disciplina, somente com a ordem de matar e que não se importam de morrer?

De que servem as melhores armas do mundo se não sabem contra quem disparar?

Não há vitórias nas guerras atuais porque nem chega a haver guerra segundo os padrões a que estávamos habituados.

Precisamos, em especial, os países ocidentais, de repensar, seriamente, os nossos conceitos, os nossos métodos e a nossa abordagem às nossas políticas de defesa.

Grupos mais ou menos informais atacam, cada vez mais, aquilo que defendemos e em que acreditamos e que devemos, de facto, defender.

A liberdade, o pluralismo, a igualdade, as democracias, os direitos humanos são ideais que justificam o recurso legítimo à força das armas quando atacados ou postos em causa.

Mas quando somos atacados temos de estar capazes de nos defendermos, e defendermo-nos com eficácia, e no mais curto espaço de tempo e com o mínimo de recursos e baixas, vencer.

E isso nem a invicta "Israel" está a conseguir.

Porque está a utilizar métodos de intervenção de ontem para vencer a guerra de hoje, está a lutar com armas que não são eficientes, com táticas que não são adequadas, com estratégias que não são válidas no contexto atual, na situação presente, com um inimigo quase indefinido.

Não é o inimigo que se tem de adaptar às nossas estratégias.

Ele só tem que não perder.

Somos nós que nos temos de nos adaptar às estratégias do inimigo porque somos forçados a vencer, e uma vitória clara, expressiva, inequívoca e legal.

Esse é outro fator: os grupos não estão vinculados, legalmente, a nenhum tratado internacional.

Os grupos não têm de respeitar convenções, direitos, leis e regras.

Os Estados têm!

Sempre!

Mesmo na guerra os fins não podem justificar os meios!

É a "coluna vertebral" do nosso sistema.

Como se vence um conflito em que as regras não são idênticas e equitativas para ambas as partes?

Como se derrota um inimigo que pode quase tudo enquanto os Estados não podem quase nada?

Como se vence com meios justos manobras injustas?

Talvez seja altura de relermos Sun Tzu e refletirmos sobre frases como "se queres vencer o inimigo tens de pensar como ele", "vence pelo ardil e não pela força" e, fundamentalmente "nunca subestimes o inimigo".

Porque, 3.000 anos depois o grande general continua a ter razão.

Porque a guerra, essa, é sempre a mesma.

Temos é que nos adaptar a como ela é feita.

Porque a derrota, essa, continua a ser, sempre, inaceitável.


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