OS NOVOS DEUSES e a minha reflexão natalícia sobre a espiritualidade

07-12-2022


É quase incontornável, nesta época de Natal, não pensarmos, pelo menos um pouco, na vertente espiritual humana.

Pelo menos eu penso!

Afinal, e embora acredite que alguns disso se esqueçam, tudo isto se deve ao nascimento de um Homem, há perto de 2050 anos, na pequena vila de Nazaré, na Galiléia sob domínio Romano, e que tinha como nome Iesus ben Ioseph Ben David, mais conhecido como Jesus de Nazaré (eu sei que muitos de vocês estão a dizer que eu errei na data, no local e até no nome, mas um dia falamos disso).

Mesmo os não crentes tentam dar uma dimensão espiritual a esta época, uns pela solidariedade, outros pela autorreflexão e os com fé, pela vivência religiosa do nascimento do Messias Redentor, da sua encarnação. A frase "e por nós Homens, e pela nossa salvação, desceu dos Céus, e encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria e se fez Homem", contida no Símbolo Niceno-Constantinopolitano, mais conhecido como "Credo" e que se entoa em todos os rituais eucarísticos católicos (dando início, precisamente, a esse ritual) faz todos os Cristãos, nesta época, levarem os joelhos ao chão pela sacralidade absoluta do momento.

Começam, esses crentes, antes uma maioria, agora, a ser uma minoria crescente.

É um facto!

Para a maior parte das pessoas, o Natal passou a ser tudo o resto, desde o consumismo à festa, desde a família à solidariedade, deixando essa vertente espiritual completamente para segundo plano, ou mesmo para plano nenhum.

E não! não vou escrever aqui mais um texto amargurado sobre como o Homem substitui a dimensão espiritual do Natal pela dimensão consumista.

Desculpem-me a frontalidade, mas já não há paciência!

O Natal é o cada um quiser fazer dele.

Ponto!

Não há ninguém que tenha o direito de dizer ao outro como vivenciar seja o que for, muito menos uma festa.

Não há bons e maus "natais", não há os "senhores e defensores" do "verdadeiro" Natal!

Há tanta necessidade de radicalização por carência de auto-afirmação, que até o Natal serve para essa radicalização!

Mas isso será assunto para outra reflexão!

Hoje o que me leva a escrever-vos é outra dimensão: o espiritual.

A dimensão espiritual é natural e inalienável do Ser Humano.

É um facto!

Todos, mas todos mesmo, temos, vivemos e convivemos com uma dimensão espiritual, sobrenatural e transcendente da nossa existência enquanto indivíduos, enquanto sociedade e enquanto espécie.

As formas de o vivenciar é que variam.

A mais comum, de facto, ainda, acho, são as religiões.

Afinal a religião é uma forma organizada, sistematizada, massificada e simplista de viver a espiritualidade e a transcendência.

É a transcendência "Prêt-à-porter": basta seguir as regras, as leis, os dogmas, cumprir, o mais fielmente possível, o estipulado e está feito. E isto, acreditem, sem qualquer tipo de crítica ou censura. Afinal, felizes aqueles que no simples encontram as soluções para as suas complexidades.

A religião orienta, acolhe, conforta milhares de milhões de mulheres e homens, umas vezes bem, outras nem por isso, mas fá-lo. E nesse sucesso das coisas simples muitos encontram a paz, a sua paz, que, no fundo, é tudo o que importa.

Outros há (e cada vez mais) que não se revêm nas estruturas e organizações das religiões reveladas para preencherem a sua vertente espiritual.

O aumento exponencial da adesão da população ocidental a filosofias e teosofias orientais é disso um exemplo entre muitos.

O Homem contemporâneo é cada vez mais livre, não lhe agradando a imposição de regras e principios, muito menos de dogmas.

Querem trilhar o seu próprio "caminho" na busca da espiritualidade.

E, então, seguem desde o budismo ao tantra, desde a cientologia a outras abordagens, milhares delas, para o conseguirem.

Mas buscam!

Mas outros há que a negam!

Que dizem que nós somos quem somos e a nós nos bastamos.

O Homem pelo Homem, todo ele matéria, nada dele espírito.

E isso, de facto, é, notoriamente, a meu ver, um problema.

Não estou a afirmar que cada um de nós deva acreditar numa entidade superior, cosmogónica, ou numa força criadora e regulamentadora da ordem e da criação.

É possível espiritualidade sem essas "figuras" tutelares, divinas, reveladas e, na maior parte das vezes, antropomórficas em todos os aspetos.

Estou a afirmar que temos de assumir que o Homem é matéria e é espírito, é ser e não ser, é corpo e alma, seja lá o significado que assumam para este último termo.

Cada um de nós tem de procurar, para estar em equilíbrio, como viver a sua espiritualidade, como equilibrar os seus dois "mundos".

Porque se não o fizermos de forma consciente e assumida, o nosso cérebro fá-lo por nós, e quase sempre não da melhor forma. Isto de sermos "frontais" em termos neuronais traz-nos muitas, mas mesmo muitas vantagens, mas, nos domínios do espiritual, é um péssimo "conselheiro", porque tenta pragmatizar uma dimensão que é não é pragmática, não é imediatista, não é exata. E que, precisamente por isso, é tão importante numa existência equilibrada e saudável.

E é aí que surgem os "novos messias", os "modernos deuses".

A sacralidade do plexo frontal!

Para quem estuda antropologia e ciências das religiões tem sido preocupante, muito preocupante mesmo, detetar sinais de religiosidade e de radicalização mítica em fenómenos que são tudo menos religiosos.

O tipo de relação que alguns grupos mantêm com "ícones" da nossa contemporaneidade, como, por exemplo, Elon Musk, Steve Jobs, George Soros, Jeff Bezos, Mark Zuckerberg, Bill Gates (esse, qual revelação, previu e anunciou a pandemia) ou mesmo Donald Trump é total e completamente religiosa e messiânica.

Na relação com essas personalidades os indivíduos deixam de ser admiradores para se tornarem fiéis; não se trata de orientação mas de um culto; não se trata de um modelo mas de um deus messiânico que leva homens ao espaço, quer implantar chips no cérebro para curar cegueiras e paralisias (onde já ouvi esta história....?), que prometem "rios de leite e mel", sociedades justas e igualitárias desde que por eles controladas. São os mártires de um mundo de conspirações e maquinações, em que só eles estão certos e que só eles nos podem salvar; que se acham no direito, agora, qual divindades julgadoras e omniscientes, de decidir quem tem razão ou não, quem pode ou não expressar a sua opinião, o que ´ou não verdade, quem pode ou não pertencer a essa "comunidade de crentes" que, pelo poder do dólar, eles querem e pretendem dominar de um modo absoluto e global.

Outro exemplo:

Continuo a afirmar que alguns movimentos de "Coaching", "Mindfulness", "Mapeamento cognitivo" são muito sérios e eficazes. Algumas práticas de meditação, algumas vivências de introspeção, alguns métodos de autoajuda são muito válidos e auxiliam, de facto, quem a eles recorre. São criados e orientados por profissionais muito eficientes, sérios e competentes que auxiliam as pessoas, de facto, a ter uma vida com mais qualidade e equilíbrio.

Mas outros, temos de o afirmar, são fraudes absolutas, que recorrem ao pior da manipulação neurocomportamental para, literalmente, dominar uma das áreas mais delicadas e sensíveis de cada um de nós: o espiritual.

E são esses, precisamente, que mais proliferam, obtêm mais sucesso e mais adesões.

Por isso, neste meu texto de Natal, apelo a que cada um, em primeiro lugar, se assuma como um Ser também espiritual e que encontre o equilíbrio também nesse aspeto da sua vida.

Pela Religião ou meditação, em comunidade ou isoladamente, mas que seja livre, que respeite a individualidade humana, que nos respeite, que seja uma libertação e não uma tirania, que seja uma elevação e não uma submissão, que seja luz e não trevas.

Não deixem que "Messias tecnológicos" ou "deuses científicos", "gurus da eficiência" ou "magos da prosperidade" vos iludam com promessas vãs de um sonho impossível.

Lembrem-se que não há chegada sem caminho, não há sucesso sem trabalho, não há proveito sem investimento e que o único milagre até agora provado somos nós próprios.

Pensem por vocês, decidam por vocês, questionem tudo, não assumam nada como absoluto e jamais abdiquem do vosso direito inalienável de tomar as vocês próprias decisões.

Porque, como dizia esse Nazareno, filho adotado de um carpinteiro, que, 2050 anos depois nos dá feriado, férias e nos faz gastar balúrdios em presentes (digam lá que não é poderoso) "Pedi, e vos será concedido; buscai, e encontrareis; batei, e a porta ser-vos-á aberta."

Procurai o equilíbrio, aceitem a essência dual da pessoa humana, e, assim, sereis Homens em pleno.

E, com esta reflexão, vos deixo.

Durante o mês de dezembro também eu farei a minha "reflexão", assim, não haverá textos na Realpolitik (acho).

Voltaremos a falar já no próximo ano.

A todos um Feliz e Santo Natal e um Bom Ano de 2023!