O Senhora Minha, oh minha mãe! e o "fenómeno" de Fátima

17-05-2023


Mais uma vez, no dia 13 de Maio, em Fátima, reuniram-se milhares de fiéis e crentes para viverem a sua religiosidade, espiritualidade, vivência, definam-na como quiserem, chamem-lhe o que quiserem.

Independentemente dos escândalos de abusos sexuais da Igreja Católica, não obstante os casos de abuso de poder, branqueamento de capitais entre outras situações que a Santa Sé Apostólica tem de enfrentar quase todos os dias, eis que o simples fiel, o anónimo crente, muitos deles percorrendo centenas de quilómetros a pé, vão, e de joelhos, mão no peito, cabeça baixa, perante uma imagem de madeira, rezam, oram, pedem, agradecem, inspiram-se.

E todos pasmamos!

Como é possível???!!!!

A sociedade cética, analítica e racional dos dias de hoje, os "fazedores de opiniões", os comentadores e "especialistas", tem de entender, uma vez por todas, que a espiritualidade é uma parte fundamental e central do Ser Humano, e que a sua vivência, a sua experiência e o modo como cada um a expressa ultrapassa, em muito, todas as análises e comentários que se possam fazer.

Até há muito pouco tempo eu afirmava-me descrente.

Não por opção, muito antes pelo contrário!

Acho, sinceramente, um enorme privilégio, sentir, genuinamente (e tem, de facto, de ser genuinamente) a profunda convicção que há algo para além de nós, que há um outro além, que há outra ordem que ultrapassa esta realidade crua e quotidiana em que vivemos.

Acredito que uma vida com fé em algo de transcendente, seja o que for, é uma vida com mais sentido, mais propósito, com mais alegria.

Mas eu não sinto. E não sentido não me posso forçar a fazê-lo. Como disse: a fé tem de ser genuína: ou se tem ou não se tem.

Descobri, mais tarde (muito recentemente), que afinal, também eu, até eu, sou um ser espiritual. Com a minha espiritualidade "não filiada", não doutrinal, não dogmática, uma espiritualidade quase telúrica e básica que se baseia nas mais pequenas coisas, nos mais pequenos milagres da natureza, do universo, do cosmos, do Ser Humano.

Deixei, em suma, seguindo a frase de Albert Einstein, de acreditar que há milagres para passar a acreditar que tudo é um milagre.

O meu Deus, a minha espiritualidade, está no sorriso dos meus filhos, no sabor acre do vinho verde fresco, na brisa da primeira manhã, no privilégio de acordar, no abraço sincero de um amigo verdadeiro, nos comentários de quem me lê, na força de aprender dos meus alunos, no calor de um beijo, na caricia de uma memória...

Deixei de procurar Deus porque passei a encontrar Deus em tudo!

Mas isso é a minha espiritualidade e em como a vivo.

Uma fé muito distinta da dos milhares que neste 13 de Maio, alheios a escândalos e a casos, caminham e rezam a Maria e que são a prova inquestionável e irrefutável que a fé, o espiritual, o transcende, ultrapassa, em muito, em muito mesmo, a lógica mundana da razão e do raciocínio.

Porque na fé, em especial na fé em Maria, especialmente em Portugal, vive-se mais, muito mais, que a religiosidade, que a espiritualidade, que os ditames da teologia emanada do Vaticano.

Vive-se o sentimento de conforto, de proteção, de esperança, de filiação, de se ter uma mãe divina que, seja quando for, seja onde for, está lá para "nos valer".

Costumo afirmar, muito influenciado pela grande Natália Correia, que a relação que os portugueses têm com a sua nacionalidade, com o seu país, com a sua nação, tem muito mais de "maternal" do que de "paternal".

Por isso afirmo (e afirmava Natália Correia), que os Portugueses não têm uma Pátria, como os outros povos, mas sim uma "Mátria".

E isso explica muitas coisas, inclusive como os portugueses de relacionam com a política e com os representantes e governantes do seu país.

Mas isso é assunto para outro artigo, por certo.

Mas para além de Portugal e dos portugueses, o fenómeno Mariano é um dos mais ricos e fascinantes fenómenos humanos porque contradiz, em tudo, o que a lógica racional indica e acha razoável.

Ao ponto de ser paradoxal!!

Foi um dos únicos fenómenos que foi assumido não pelas estruturas de poder, não pelas instituições, não pelas elites, mas que foi completamente assumido pelo povo, pelo crente, por aqueles que o vivem, o sentem, por aqueles que nele acreditam.

Quase que ouso dizer que a fé do povo em Maria é um dos únicos casos de real e verdadeira democracia que ocidente já vivenciou.

Em Maria, com Maria, por Maria, de facto foi o povo que mais ordenou e as estruturas de poder (inclusive a inultrapassável e absoluta Santa Madre Igreja) outra solução não tiveram de aceitar, adaptar-se, obedecer.

Há alguns anos (já muitos anos) escrevi um ensaio em que abordo (e só abordo) a origem, evolução e particularidades do fenómeno Mariano.

Hoje, sem me alongar mais, deixo aqui a ligação para quem tiver interesse, paciência e tempo para o ler.

Termino, somente, eu, descrente, de, neste 13 de Maio, levar o meu joelho ao chão, e perante, Maria, seja ela a mãe de Deus ou não, prestar a minha homenagem.

Porque ela (ou o seu conceito) pode não ser a mãe de Deus, mas é, por certo, a mãe de muitos, o conforto, o amparo, a esperança de milhões, tantas vezes o último reduto no desespero, na infelicidade, no abandono, na tristeza… e por isso, e porque só isso basta, também eu digo "oh Senhora minha, o minha mãe…."



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