O MESTRE DO TEMPO E PARTIDA DO JOSÉ MATTOSO

11-07-2023

Há notícias a que demoro a reagir.

A algumas, a maior parte, devido muito à minha área de trabalho e de pesquisa, tenho de reagir quase de imediato, no momento, por vezes enquanto o próprio evento ainda está a acontecer.

A guerra, os conflitos, o terrorismo, a geopolítica e, também, a geoestratégia, têm, atualmente, tempos muito curtos, de prontidão, de rapidez, em que a análise, as conclusões e as respostas tem de ser prontas, rápidas, imediatas.

Mas há outras notícias que preciso de tempo para digerir, de assimilar, de processar.

Uma delas foi a morte do Professor José Mattoso.

Foi Sábado, dia 8 de Julho...

Só hoje a estou a "processar".

Hoje, dia 11 de Julho, quando se festeja a Solenidade de São Bento,  Bento de Núrsia, Padroeiro da Europa, pensador notável, criador do pensamento meditativo, das ordens monásticas, fundador da Ordem dos Beneditinos, onde o José professou como monge na sua juventude.

Mestre do tempo e dos tempos, não só dos tempos de Portugal e do Mundo, da história e dos acontecimentos, mas do seu tempo, dos tempos de silêncio e de meditação, de introspecção, da descoberta interior onde encontrava as forças e a clarividência para, depois, olhar, com calma e sabedoria, para a história onde os Homens vivem as suas histórias.

Estivemos, muito tempo, perto um do outro, no Mosteiro de São Bento de Singeverga, aqui ao lado, em Roriz, onde ia com muita frequência, embora já não lá vivesse desde os anos 70.

Mas não estávamos próximos só fisicamente, mas em alma, em espírito.

A Portugal, ao mundo, à humanidade, o José Mattoso, deixou uma extensa obra que o futuro tratará de honrar.

Como muitas vezes digo, Mattosso "iluminou" a "época das trevas", mostrando e provando que a "Idade Média" (a época da história pela qual, por causa dele, sou absolutamente apaixonado do ponto de vista filosófico e literário), ao contrário do que ainda hoje muitos pensam, não foi um período de obscurantismo, de ignorância e de regressão. Foi um tempo de redescoberta, de reflexão, a época dos grandes pensadores como Bento de Núrsia, Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino, Boaventura de Bagnoreggio, Bernardo de Claraval, António de Lisboa e Guilherme de Ockham, que lançaram as bases (especialmente epistemológicas) para aquilo que havia de ser o Renascimento, que pensaram o pensamento para que depois se pudesse pensar um pensamento novo, um novo Homem, um novo e novos mundos. Mattoso, como o "mestre da escolástica" tornou-nos mais ricos, expondo e explicando as origens sob as quais construímos a modernidade e o contexto em que hoje vivemos.

Mas José Mattoso, a mim, e só a mim, deixou-me o exemplo, o modelo, o paradigma do que deve ser o investigador, o cientista, o intelectual.

Ousado na sua calma, rebelde na sua serenidade, inconformado na sua tranquilidade, irrequieto na sua reflexão, Mattoso atingiu o equilíbrio que, se por um lado, lhe conferia a irreverência de questionar os dogmas e as certezas da História, da Historiografia e da própria Ciência como um todo e, com isso, descobrir, inovar, progredir, por outro lado transmitia-lhe a calma, a paz e a serenidade para contemplar o seu próprio trabalho e aferir da sua validade, coerência e consistência.

Por isso o Professor José Mattoso é tão respeitado, incontestado e unânime tanto entre o público em geral como, e muito especialmente, entre os seus pares.

Porque todos sabemos que, por muito radicais, revolucionárias e disruptivas que fossem as suas teses, teorias e descobertas (e teve bastantes), estas eram fruto de um aturado e exaustivo estudo, de uma profunda e rigorosa investigação e, fundamentalmente, de uma lenta e muito íntima reflexão.

Hoje choro a partida física do grande, imenso e genial Mattoso, em rigor o homem que me ensinou Portugal e fez de mim o português que me orgulho ser.

Hoje Portugal chora (ou devia chorar) a partida de um dos seus maiores.

Mas hoje todos devemos rejubilar pela obra, pelo imenso que nos deixa, pelo tanto que nos deu, pela magnitude do que nos transmitiu.

Porque José Mattoso é, sem dúvida nenhuma, um dos que "da Lei da Morte se libertaram" nas palavras do seu amado Camões.

Choremos porque somos humanos, rejubilemos porque somos Homens.

Hoje o José está onde, no fundo, sempre quis estar: junto do seu Criador onde o conhecimento é pleno e a paz eterna.