IGNORÂNCIA COM CERTIFICADO: A FALÊNCIA DO SISTEMA EDUCACIONAL E FORMATIVO

09-08-2024

Quando, por volta do século XIII, surgiu o primeiro certificado académico — talvez em França, talvez em Inglaterra, talvez mesmo em Bagdad (cada vez mais a hipótese é assumida, mas aí seria no longínquo século IX) — o objetivo era simples: confirmar o conhecimento de alguém em alguma matéria, em algum conhecimento, mas, fundamentalmente, na prática, no saber fazer, no saber realizar.

Era o que se chamava o domínio do "mester", o ser-se mestre em algo, isto é, ser capaz e mesmo excelente em algo ou alguma coisa.

O certificado era apenas um documento que comprovava, em qualquer lugar (por isso era escrito em latim, língua "franca" em toda a Europa medieval), que aquele indivíduo, tendo visto a sua competência prática atestada e comprovada por um conjunto dos seus pares, sabia, de facto, fazer alguma coisa em específico.

Muitos séculos passaram, muitas convulsões as sociedades sofreram e os processos de ensino, formação e certificação mudaram com eles, e muito.

Se, na base e na teoria, o conceito é o mesmo, na prática tornou-se muito, mas mesmo muito, diferente.

O ter um certificado, especialmente um de nível universitário, mas também formativo e outros, viu-se confundido e imiscuído na obtenção de prestígio social, de ostentação de estatuto, de vaidade e de superioridade supérflua.

Entende-se!

Em Portugal, em Angola, Moçambique, mesmo no Brasil, nos tempos das ditaduras, só era doutor e engenheiro os membros de famílias ricas e abastadas, uma elite privilegiada, que mantinha todos os outros sob o domínio ditatorial mais eficaz mas também mais ignóbil de todos: a ignorância.

Mas com o fim das ditaduras, e bem, o ensino também ele se democratizou, massificou e tornou-se igualitário, com todos a poder ter-lhe acesso.

Mas eis que surge o inevitável: também se tornou um negócio, e um negócio imensamente lucrativo.

Surgem, em todos os cantos e esquinas, universidades, públicas, privadas, sérias, não sérias, de tudo como em tudo, centros de formação, escolas profissionais e, muitas vezes, não para gerar valor, conhecimento e capacidade de trabalho, mas simplesmente para satisfazer a fome insaciável de estatísticas que possam ser exibidas em conferências internacionais, simpósios e congressos.

Não importa a qualidade, pois esta não faz crescer os gráficos. Importa, isso sim, a quantidade.

Muitos e quanto mais melhor!

O ensino mínimo obrigatório passou até, por exemplo, em Portugal, para o 12.º ano, mas, na prática, é quase impossível reprovar um aluno, já para não falar no nível científico, técnico, prático e de exigência dos programas educativos (os Lusíadas são agora ensinados em prosa para não traumatizar os "meninos" com tanta rima...).

Ignorantes, mas certificados, que é, no fundo, o que importa!

E é aí, precisamente aí, que o certificado e o processo de certificação alteram-se completamente.

O certificado começa a valer por si só, ninguém questionando as capacidades, os saberes e as competências de quem o possui.

Avalia-se o indivíduo por um monte de papéis com selos de lacre e carimbos coloridos e não se questiona o que, de facto, o detentor de tão vastíssima resma de papel sabe, em concreto, fazer.

O que importa é ter o "papel", não importa o que ele, de facto, representa e significa.

E, depois, claro, há "papéis" emitidos ao domingo, equivalências conferidas por se ter sido membro da direção do rancho folclórico e teses e dissertações "compradas a metro" com direito a apresentação pública. Até já há empresas dedicadas a escrever teses de mestrado e mesmo de doutoramento, já para não falar no novo "fantasma" da Inteligência Artificial.

Não importa o que se sabe, não importa a competência, não importa o fazer: só importa ter o papel, o sacrossanto certificado.

Por isso estamos, atualmente, na sociedade mais certificada de sempre, mas também na sociedade mais ignorante, incompetente e improdutiva de que há memória.

Todos estão repletos de papel e vazios de saber, de competência e, fundamentalmente, de fazer o que é preciso ser feito como deve ser feito.

Doutores e engenheiros, só por isso, chegam a ministros, diretores, administradores para conduzirem as suas organizações, uma depois da outra, à estagnação e à falência.

Milhares de Mestres e Doutores não conseguem desenvolver os países, fazê-los progredir, avançar, inovar e sabem porquê: porque não sabem o que fazer nem como fazer!

Têm um papel que atesta, somente, que seguiram um conjunto de procedimentos burocráticos, a esmagadora maioria deles anacrónicos, ilógicos, inconsequentes, criados pelo sistema para alimentar o sistema, e que, no fundo, nada comprovam, nada valem, nada significam.

Por isso o crescente distanciamento do mundo empresarial do mundo universitário, por isso a elevadíssima taxa de desemprego de licenciados e mestres, por isso a desesperante e quase crónica estagnação da nossa economia e do nosso mercado.

Porque não é preciso pessoas com muitos papéis a certificar que cumpriram um conjunto de procedimentos, foram a umas horas de aulas e entregaram resmas de trabalhos e investigações sobre coisa nenhuma.

Para evoluirmos, para prosperarmos, para sairmos desta estagnação, temos de deixar de olhar para o papel e passar a olhar para o saber; temos de deixar de olhar para currículos e passar a olhar para capacidades, para competências; temos de deixar de perguntar "é doutor?" para passar a perguntar "é douto?". Porque se o primeiro representa um título, o segundo representa uma capacidade, uma competência, um saber fazer, um saber ser, um saber estar, uma capacidade de realizar.

Não precisamos de pessoas certificadas, precisamos de pessoas competentes.

Por isso acho tão curioso aqueles indivíduos que defino como "papa certificados".

Querem todos os certificados, todos os papéis, florestas de papéis com logotipos, carimbos e assinaturas. Mas só quer um papel a dizer que se sabe fazer quem não consegue provar, por atos, práticas e ações, que, de facto, sabe fazer, sabe realizar, sabe executar, que sabe como gerar progresso, evolução, inovação e valor.

Por isso tanto ignorante certificado, por isso tanto sábio irreconhecido e ignorado.

Sabe mais o simples e analfabeto agricultor ao simplesmente olhar para a terra do que muito engenheiro em análises e cálculos; duvido que muitos engenheiros civis saibam alinhar tijolos, mas o humilde trolha fá-lo de olhos fechados. E nós não comemos análises nem moramos em desenhos. Comemos as batatas da terra e moramos entre muros.

Essa é a verdade!

É urgente, muito urgente, começar a apostar mais no mérito, na competência e na capacidade do que na certificação, nos títulos e nos estatutos.

Precisamos de doutos e não de doutores!

Porque foram os doutores e as suas resmas de certificados que nos trouxeram onde hoje estamos.

Se assim fizermos, se o certificado passar a reconhecer não um percurso burocrático, mas um saber, uma competência e uma capacidade adquirida e a excelência em algo ou alguma coisa, talvez um dia voltemos a dignificar o processo de certificação e a fazer com que quem diz que sabe fazer, de facto, saiba como fazer.

As pessoas valem pelo que são e não pelos papéis que ostentam.

Porque os papéis levam-nos o vento e o tempo.

O saber e a obra, o que fazemos e deixamos às gerações futuras, essas sim, são eternas.



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