ESTADOS UNIDOS E AS (QUASE) CERTEZAS

20-06-2024

Há muito tempo que não falamos dos Estados Unidos, e este país é sempre incontornável em questões de geopolítica e de geoestratégia.

E quando falamos, hoje em dia, nos Estados Unidos temos de falar de eleições presidenciais que decorrem já no próximo dia 5 de Novembro.

Em 2020 Joe Biden teve uma vitória tangencial contra Donald Trump, demostrando, a todos, que uma coisa são as opiniões dos analistas (mea culpa, mea máxima culpa), as sondagens, os movimentos das franjas das sociedades cultas, instruídas e abastadas, outra é a vontade popular.

Temos de enfrentar a realidade como sempre na Realpolitik: não obstante os seus radicalismos e populismos, não obstante as suas políticas quase disfuncionais (como a que adaptou durante a pandemia), não obstante os escândalos, os processos judiciais, não obstante as gafes, as incoerências e tudo, Donald Trump consegue passar a sua mensagem, consegue convencer, consegue congregar vontades e apresenta-se para estas eleições, pode-se dizer, mais forte que nunca.

Porque há aqui uma "agravante" para Joe Biden: não obstante Trump ser quem é e fazer o que faz, Biden não conseguiu impor a sua mensagem, não conseguiu inspirar confiança, determinação, capacidade de ação.

Joe Biden mostrando, claramente, que é diferente de Trump, não conseguiu provar que, em termos políticos e de ação, é melhor do que ele.

No mundo empresarial diz-se que o fator que decide a venda nem é o preço, nem a qualidade, nem nenhum desses fatores mais "racionais", mas sim a diferenciação.

E Joe Biden nunca consegui mostrar que era assim tão distinto (embora diferente de Trump).

O eleitorado que elege presidentes, o povo, com educação básica, cada vez mais manipulado pela Engenharia Social e pelas Fake News, cada vez mais extremado em cada vez mais "causas fraturantes" e "nichos identitários", prefere a ação de Trump, embora que algumas vez disparatada, do que inércia intermitente de Joe Biden.

Ainda mais quando os "grandes objetivos" e as "metas estratégicas" de Biden estão longe de terem sido atingidas.

Temos de ser frontais e diretos e admitir que, por muito que nos custe (a mim custa), a administração de Joe Biden deixou a América, quase a todos os níveis, pior do que estava no início do seu mandato.

Os problemas estruturais internos estão longe de estar resolvidos. A saúde, a segurança, os radicalismos, a desigualdade, a economia não tiveram melhorias significativas, em alguns casos tiveram, isso sim, regressões. Causas que foram "bandeiras de campanha" de Biden, como a imigração, o fim da violência policial, o fortalecimento da economia interna e a melhoria da qualidade de vida dos americanos menos favorecidos e da classe média, foram fracassos completos.

Em termos de política externa os Estados Unidos estão cada vez mais fracos e, fundamentalmente, desprestigiados.

A maior potência do mundo, o "colosso diplomático" a que todos se vergavam e obedeciam, não conseguiu resolver o problema da guerra da Ucrânia, muito antes pelo contrário.

E, assim, depois de milhares de milhões de dólares de auxílio monetário e militar, a Ucrânia está prestes a perder o conflito.

Com isso os Estados Unidos "arrastaram" a OTAN/NATO para conflitos internos e para a demonstração clara e inequívoca da sua ineficiência para manter a paz internacional, sendo, atualmente, mais parte do problema do que, propriamente, da solução.

Do mesmo modo os Estados Unidos mostram-se completamente ineficazes na resolução e mediação do conflito israelo-palestiano, embora o Secretário de Estado Norte Americano, Antony Blinken, se tenha dedicado à questão quase a "full time" desde o início do conflito, com visitas quase semanais ao médio-oriente, mas sem conseguir seja o que for.

Com o Irão as relações degradaram-se consideravelmente, permitindo a maior potência mundial que uma potência regional domine pontos estratégicos em termos geopolíticos e geoeconómicos, como o Golfo Pérsico e o Golfo de Áden, condicionando todo o comércio mundial.

A administração Biden também não consegui sequer deter a crescente influência da Rússia, e principalmente da China, no panorama global.

Em suma, Joe Biden acabou, ele próprio, por legitimar o slogan do seu adversário de "Vamos tornar a América grande de novo".

Porque, de facto, a América está cada vez mais longe de ser a potência hegemónica que era há uns anos, mesmo durante a época Trump.

Sempre pensei que o mandato de Joe Biden seria único, uma preparação para Kamala Harris se tornar a primeira mulher, e logo negra, a assumir a presidência dos Estados Unidos da América. Seria muito bem pensado, seria a glória do partido democrata, seria um avanço enorme para a América e um exemplo para o mundo.

Com Kamala Harris na Presidência, os Estados Unidos provariam continuar a ser o país líder do mundo livre, o que assume a dianteira no progresso, nas ideias, nas causas. E com esse ascendente "moral" teria muito mais poder negocial em termos políticos, económicos, diplomáticos e militares.

Mas Joe Biden não se consegue ver fora de Washington, não se consegue ver longe das "luzes da ribalta", do "círculo de poder" em que sempre viveu.

Tirar Joe Biden de Capitol Hill é a mesma coisa que tirar um peixe do aquário.

O poder, como todos sabemos, atrai, inebria, vicia.

E Biden não soube resistir a esse "vício".

Por isso eclipsou Kamala Harris, por isso impôs a sua reeleição ao Partido Democrata, por isso é de novo candidato quando tudo, mas tudo mesmo, determinava que não o devia fazer.

Depois de um mandato medíocre, com uma notória e explícita debilidade física e até mental (afinal tem 81 anos "mal conservados"), sem o apoio empenhado (embora declarado) do seu próprio partido, com uma dificuldade imensa de reunir fundos para a sua campanha (é tão desesperada a situação que Biden não esteve na conferência internacional sobre a Ucrânia, na Suíça, para não faltar a um jantar de angariação de fundos) e completamente afastado, desfasado e quase antagónico do que é a América atual, do que são os problemas e circunstâncias dos americanos atuais, Biden arrisca-se, mesmo seriamente, a perder as próximas eleições para Trump.

As últimas sondagens são claríssimas em relação à vitória, tanto nos Estados chave como nos "Swing States" que são, normalmente, quem define a vitória (embora as sondagens, e cada vez mais, valham cada vez menos como indicador).

Joe Biden será vítima de si próprio e, provavelmente terá uma saída que não merece.

Com uma vida dedicada ao serviço público (em 1972, sua eleição para o Senado converteu-o no sexto senador mais jovem da história norte-americana), mas mantendo-se longe de escândalos e "esquemas" (algo de extremamente raro em Washington), Biden merecia uma saída com honra, reconhecimento e gratidão por parte do povo americano.

Assim, quase de certeza, sairá humilhado, "achincalhado", por um candidato que passou os últimos 4 anos a fazer campanha, a submeter Biden a um desgaste terrível, a conquistar sectores do eleitorado cada vez mais desiludidos com a atual administração e, tudo isto, sem olhar a meios para atingir esses fins.

Joe Biden não merece a situação em que ele próprio se colocou!

E, assim, quase de certeza, teremos Trump de novo na Casa Branca.

Trump que é um sobrevivente nato, um homem de ação, alguém que consegue transformar a pior derrota numa vitória retumbante e reverter qualquer situação (mesmo condenações judiciais) a seu favor, por isso duvido muito que volte a cometer os mesmos erros e perca a reeleição em 2028.

Por isso é quase certo que teremos 10 anos de Donald Trump e, com isto, o fortalecimento das relações com a Rússia (e logicamente a diminuição até ao aniquilamento do apoio e ajuda à Ucrânia), o extremar da "guerra comercial" com a China, o apoio a governos radicais em Israel, logo, o agonizar da questão palestiniana, e o aumento do poder dos lobbys do petróleo e das armas e a perda de poder dos lobbys dos direitos cívicos, de igualdade racial e de género e das questões ambientais.

Tudo isto faz tremer as "elites pensantes" por todo mundo, mas é precisamente isto que conquista, convence e galvaniza a esmagadora maioria dos eleitores, dos cidadãos, do povo.

E numa democracia, num Estado de Direito, o povo é, sempre, quem mais ordena, independentemente de questões intelectuais, geopolíticas e geostratégicas.

Uma pena que a falta de visão de um ponha em risco o bem-estar de tantos.

Porque, embora no pleno da sua honestidade, no pleno do seu sentido de dever e de serviço, o culpado de toda esta situação é um e só um: Joe Biden.


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