ELEIÇÕES EUROPEIAS: o novo panorama político

01-07-2024


O panorama político europeu sofreu mudanças significativas após as eleições europeias de 2024, refletindo tanto as dinâmicas internas dos países-membros da União Europeia (UE) quanto as questões globais que afetam o continente.

Com os índices de abstenção a descerem, obtendo-se uma incrível e histórica participação de 51% a nível europeu (muito suportado pelos países mais recentes na União), tudo dava bons indicadores para que estas eleições fossem, de facto, impactantes, e que refletissem, no Parlamento. Europeu, o que de facto os cidadãos pensam e querem para a Europa e para a sua união, cada vez mais alargada, cada vez mais descaracterizada.

No entanto, numa análise mais profunda é cada vez mais notório que as eleições europeias têm muito pouco de "europeu", os eleitores aproveitam este escrutínio, não para exprimirem as suas vontades, convicções e divergências em relação à União Europeia, mas para refletir questões políticas internas tais como "castigar" ou "premiar" os governos ou alterar equilíbrios partidários internos.

Desta forma quem foi eleito para a Europa não tem nada a ver com essa mesma Europa, mas mais com a circunstância política interna de cada país.

Se por um lado este facto é pernicioso e inverte toda a lógica do ato eleitoral, por outro lado transforma o Parlamento Europeu num "espelho" fiel do que são os países, as forças partidárias e ideológicas em cada nação, em suma, o que é a real Europa.

Mas, nestas eleições houve, sem dúvida nenhuma, uma "reconfiguração" dos blocos políticos no parlamento.

Esta reconfiguração tem algumas razões fundamentais tais como a entrada de novos países que vêm trazer uma nova mentalidade e uma nova forma de estar na política e na Europa.

A "velha Europa ocidental", alinhada com o "ocidente alargado", em especial com os Estados Unidos sofre agora a influencia de uma "nova Europa", renascida do desmoronamento do bloco soviético, com democracias jovens, mas dinâmicas, com economias em franco desenvolvimento e com um eleitorado mais jovem e ativo politicamente em claro contra-ciclo com a "velha Europa", cada vez mais estagnada, envelhecida e apática.

Esta "gestão de equilíbrios", entre a "velha Europa" e a "nova Europa" irá ditar, nos próximos anos, mesmo nas próximas décadas o que será a União Europeia, as suas políticas internas e o seu posicionamento externo, assim como as tensões e as forças dominantes dentro da União em que a concertação de pequenos países se poderá impor ao poder das grandes nações como a Alemanha e a Françaa que, até hoje, dominaram a geriram a União Europeia quase sem oposição.

Poderá, num futuro, a maioria dos pequenos dominar a minoria dos grandes?

Poderá! mas ainda não foi desta e a reconfiguração do Parlamento Europeu reflete muito que, embora a "velha ordem" continue a dominar, uma "nova ordem", ainda indefinida, ainda dispersa começa a surgir

Em primeiro lugar, na configuração do Parlamento Europeu surgem os partidos verdes e ambientalistas que consolidaram a sua posição, aumentando a sua representação no Parlamento Europeu. Este crescimento reflete uma crescente preocupação dos eleitores europeus (especialmente os mais jovens) com as mudanças climáticas, sustentabilidade e políticas ambientais.

Por outro lado, surge um sinal de alarme, curiosamente muito com origem na "velha Europa", com a extrema-direita também a obter ganhos significativos em vários países europeus, aproveitando-se de preocupações com a imigração, segurança e identidade nacional.

Esses partidos têm conseguido atrair eleitores desiludidos com as políticas tradicionais e prometeram uma abordagem mais rígida em relação à imigração e à União Europeia, propondo, em alguns casos, a revisão de tratados e a devolução de poderes aos estados-membros.

Esta franja do eleitorado, como já afirmei, muito com origem nos países que há mais tempo fazem parte da União Europeia (alguns deles mesmo os fundadores) começa a sentir o desgaste de uma União em que não se revêem, que sentem que, de facto, não funciona, que ainda sobre com o trauma do Brexit (muito mais prejudicial para a União Europeia do que para o Reino Unido) e que, com a guerra na Ucrânia a durar quase há 3 anos e a impactar seriamente a economia e a vida dos europeus, expõe e descredibiliza os órgãos dirigentes da União que se mostram impotentes, incompetentes e inconsequentes para conseguir uma resolução para o conflito.

E se, este descontentamento, até agora, era expresso pela abstenção (que não punha em causa o "equilíbrio natural do sistema", antes reforçava os partidos "tradicionais") agora há partidos que capitalizam esse descontentamento, transformando-o em votos e conseguindo impor-se, em alguns países (como a França).

Mas, apesar dos desafios, os partidos tradicionais de centro-direita e centro-esquerda conseguiram manter uma presença relevante no Parlamento Europeu.

Embora tenham perdido algum terreno para partidos menores e novos movimentos políticos, a capacidade desses partidos de adaptarem as suas plataformas e incorporarem novas preocupações sociais e económicas permitiu-lhes continuar a desempenhar um papel central na política europeia.

Por isso temos um Parlamento Europeu que é o espelho da Europa: fragmentado, desequilibrado, sem capacidade de bases de diálogo e muitas vezes antagónico nas suas políticas e estratégias.

E com uma orgânica ainda muito enraizada numa Europa hegemónica, apenas com 12 países, que, embora muito distintos, partilhavam uma certa base comum e ideológica, uma "ocidentalidade natural" e, logo, um mesmo paradigma cultural, social e moral, agora sem essa hegemonia, mecanismos como diretivas e estratégicas a terem de ser aprovadas por unanimidade e ou mesmo com maiorias qualificadas e a distribuição de cargos pela totalidade dos países podem, em concreto e realisticamente, em situações limite, simplesmente paralisar a União.

Em termos de Influências Externas e Geopolíticas em alguns assuntos importantes o que podemos esperar deste parlamento?

No que diz respeito às relações com a Rússia continuam a ser um tema "quente", especialmente com o conflito em andamento na Ucrânia. As sanções contra a Rússia e o apoio à Ucrânia permanecem pontos centrais da política externa da UE.

Paralelamente, as relações com a China, particularmente em termos de comércio e tecnologia, são uma área de debate significativa.

A necessidade de encontrar um equilíbrio entre cooperação económica e a defesa dos valores democráticos e dos direitos humanos é um desafio constante.

No que diz respeito aos Estados Unidos a aliança transatlântica permanece crucial, mas há um movimento crescente dentro da UE em direção a uma maior autonomia estratégica.

A presidência dos EUA tem mostrado um apoio renovado à OTAN/NATO e ao multilateralismo, mas a Europa busca reforçar as suas próprias capacidades de defesa e reduzir a dependência dos EUA, especialmente em áreas como a segurança cibernética e a indústria de defesa.

No que diz respeito aos Desafios Internos da União Europeia o o grande tema é, sem dúvida nenhuma, a questão da Integração e Expansão da própria união.

A questão da integração europeia continua a ser um tema que gera muitas divisões.

Enquanto alguns estados-membros e partidos políticos defendem uma integração mais profunda e uma maior centralização de poderes em Bruxelas, outros advogam uma devolução de competências aos estados-nacionais.

A possível adesão de novos países, como os Balcãs Ocidentais, também está na agenda, trazendo tanto oportunidades quanto desafios.

A recuperação económica pós-pandemia de COVID-19 e as políticas de retoma e resiliência continuam a ser uma prioridade. A implementação dos pacotes de estímulo e a transição para uma economia verde e digital são aspetos centrais das políticas económicas da UE.

O equilíbrio entre austeridade fiscal e investimento em crescimento sustentável é um debate que persiste entre os estados-membros, especialmente entre os países menos "prósperos" ou em processos de desenvolvimento da União e o Banco Central Europeu cuja direção é cada vez mais contestada pelos governos (e eleitores nacionais).

Como conclusão podemos afirmar que o panorama político europeu pós-eleições de 2024 é caracterizado por uma maior fragmentação e diversidade de forças políticas.

A ascensão de partidos verdes e de extrema-direita, a resiliência dos partidos tradicionais e a influência de fatores geopolíticos e internos criam um cenário complexo e dinâmico.

A capacidade da União Europeia de navegar esses desafios e promover uma agenda unificada e progressista será crucial para o seu futuro.

O que será o futuro da União Europeia, qual a sua influência, tanto a nível interno como a nível externo e, quiçá, mesmo a sua natureza e sobrevivência dependerá, muito, de como correr esta legislatura e da capacidade da União se afirmar precisamente, como geradora de união, de consenso, de progresso e não o oposto.

A União Europeia tem 4 anos para provar aos europeus que faz parte da solução e, não, como até agora, parte do problema.


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