CHINA E A LEI DO ETERNO RETORNO

10-01-2025


Alguém um dia disse (a autoria da frase é atribuída a várias personalidades) que "Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la."

O grande interesse da frase não está propriamente no seu autor, mas na total e absoluta verdade nela contida.

Uma das coisas de que nos apercebemos quando estudamos a história é que esta se divide por épocas e que estas são cíclicas; e estes ciclos, na maior parte das vezes, repetem-se num "eterno retorno", como o definiu Mircea Eliade.

Embora, obviamente, com diferentes espectros e emanações, com diferentes "roupagens" e expressões, dependendo da própria evolução e mutação dos indivíduos, das culturas e das sociedades, a história repete-se, uma e outra vez, quase indiferente aos seus atores e aos seus resultados.

Isso não significa, como é óbvio, que cada um de nós, tanto enquanto indivíduos como enquanto sociedade, não tentemos interferir não com o facto de existirem ciclos repetitivos, mas com a forma como eles se repetem e a quem essas repetições são favoráveis ou desfavoráveis.

Porque o facto de haver ciclos de retorno não altera, em nada, outras leis naturais, tais como o facto de, em qualquer circunstância, quase inevitavelmente, haver vencedores e vencidos, beneficiados e prejudicados, predadores e presas.

Desta forma, tem de se entender o ciclo, prevê-lo, de modo a condicionar as suas circunstâncias e podermos tirar o máximo proveito do contexto.

Afinal, é com o condicionamento para o proveito de cada um dos ciclos que se baseiam o progresso, a evolução e o desenvolvimento da civilização e da espécie humana.

Nós somos descendentes dos vencedores de cada ciclo que aconteceu e somos os responsáveis por projetar para o sucesso os ciclos que virão.

Esta ciclicidade aplica-se a tudo e a todos, incluindo à economia e à política.

Compete aos políticos conhecer a história, entendê-la, prever a ciclicidade natural e, com ações estratégicas, pré-posicionar-se para, no próximo ciclo, estar o melhor colocado possível para obter resultados positivos.

Essa previsibilidade também se aplica aos nossos adversários que, como é óbvio, não são imunes a este fenómeno.

Desta forma, temos de entender quando os nossos oponentes estão numa fase menos boa ou mesmo desfavorável para tirar disso partido, incrementando a sua fragilidade e potenciando a nossa vantagem de modo a ganhar ascendente sobre a nossa concorrência.

Mas, para isso, é preciso que haja estudo, conhecimento, inteligência e estratégia.

E foi precisamente tudo isso que não houve em relação à China.

A República Popular da China, o famoso Império do Meio, que já abordámos neste espaço, sempre esteve isolada e "orgulhosamente só", no panorama da geopolítica, geoeconomia e geoestratégia globais.

Mas, nos anos 90, sob a liderança de Deng Xiaoping e com a adoção da estratégia de "um país, dois sistemas", a China abriu-se para o mundo com todo o seu poderio massificador.

Era precisamente uma potência a substituir outra ( e extinta União Soviética) no obrigatório equilíbrio bipolar que sempre esteve presente na história moderna (e mesmo na história antiga).

A China impôs-se nos mercados globais, invadindo as economias ocidentais, apanhadas desprevenidas por falta de visão e de pensamento estratégico.

Já na altura era mais do que previsível que o antigo Império isolado, mais cedo ou mais tarde, iria ter de se abrir e, aí, por todas as razões e mais algumas, esmagaria a economia de mercado em declínio da Europa e dos Estados Unidos.

Milhares de empresas fecharam, milhões ficaram desempregados, áreas de negócios foram completamente aniquiladas, tudo mudou, ou, pelo menos, quase tudo.

A China tinha o que o Ocidente não tinha: recursos materiais e humanos quase ilimitados, a quase ausência de direitos laborais, baixos salários, e, por ser um regime totalitário, não necessita de satisfazer o eleitorado nem de se preocupar com a imprensa.

O Estado confunde-se com o setor privado, criando uma concorrência desleal em relação às economias ocidentais que, sendo, na esmagadora maioria, Estados de Direito Democrático, veem a sua ação e competitividade fortemente condicionada por terem de respeitar direitos laborais, ambientais, pagar impostos e submeter-se a leis, normas e regulamentos.

Mas, depois da primeira ação que, embora previsível, poderíamos assumir como inusitada, o caminho estava traçado como um Maktub divino: ao apogeu chinês seguir-se-ia um período de crise, ao qual a China reagiria, seguindo-se de outro ciclo de prosperidade.

E era, precisamente, quando a China, no final dos anos 90, estava no auge do seu ascendente e domínio que o Ocidente se devia ter preparado para tirar todas as vantagens e proveitos do mais do que certo declínio.

E o declínio veio no início da primeira década do nosso século, com bancos chineses a entrarem em incumprimento, impérios económicos (especialmente os relacionados com o imobiliário) a ruírem por completo, a economia em forte desaceleração, o investimento estatal a atingir mínimos históricos por falta de liquidez, e um desinvestimento brutal em áreas de negócio que tinham sido "conquistadas" ao Ocidente.

O que deveria ter feito o Ocidente?

Devidamente preparado, com meios humanos e materiais à disposição, deveria ter desferido "golpes" fortes e certeiros nos pontos fracos expostos pelo período de declínio chinês e ter assumido posições consolidadas em mercados emergentes, deveria ter investido na "reconquista" de áreas, sectores e mercados estratégicos e atrasado a capacidade efetiva de recuperação da China.

E o que fez o Ocidente?

Nada!

Os políticos ocidentais, presos à "velha ordem", impreparados, ignorantes, incompetentes e arrogantes, ficaram a "arrotar" vitória, a declarar que sempre disseram que "isto da China" era uma coisa passageira, que eles é que tinham razão e que isto, como estava anunciado, iria voltar ao que sempre foi.

Como é óbvio, estavam enganados!

A China, estratégica e sagaz como sempre, aproveitou a crise para aprender, reorganizar-se, adaptar-se, corrigir os erros do passado e potenciar as vantagens para o futuro.

"Blindou-se" em alguns sectores, fez parcerias estratégicas com países e potências emergentes na América Latina e em África, fez alianças com as maiores potências económicas do futuro (os BRICS) e garantiu recursos para sustentar o seu renascimento.

A reunião dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em agosto de 2023 em Joanesburgo, ditou o início de uma nova ordem mundial, com a promessa de outros países se aliarem ao grupo (como o Irão, a Arábia Saudita e mesmo os Emirados Árabes Unidos), em que a China, como líder, ditará as regras e garantirá os instrumentos para um domínio alargado e incontestado dos mercados mundiais e, consequentemente, da geopolítica global, como é exemplo a criação do NDB (Novo Banco de Desenvolvimento) que quer, inclusive, contestar o Dólar Americano como moeda de referencia nos fundos de divida soberana.

Passada a crise, preparada de antemão para o "recomeço", com a Europa e os Estados Unidos apáticos, enredados nas suas eternas e insolúveis questiúnculas internas, a China, no passado mês de setembro, lançou o seu programa de crescimento e expansão, com o Estado a injetar perto de 130 mil milhões de USD no seu tecido empresarial, a reduzir os impostos sobre os lucros e sobre a produção e a dar outros benefícios para processos de expansão e internacionalização.

Em simultâneo, lançou uma campanha de atração de know-how externo com medidas de isenção de vistos para países estratégicos (Portugal incluído), bolsas de estudo, isenção fiscal à mão-de-obra qualificada, entre muitas outras.

E, perante este "ataque" concertado, o que fez o Ocidente…?

Nada!

Ainda não tendo resolvido a guerra na Ucrânia, que vai para o seu terceiro ano, completamente dependente de recursos fundamentais como gás natural e petróleo, sem novos mercados, com inflações galopantes, com cargas fiscais imensas sobre a classe média e as empresas de modo a manter a sua economia artificialmente sustentada, com as empresas e o comercio cada vez menos competitivos nos mercados globais, com o euro e o dólar em sucessiva desvalorização em relação a outras moedas de referência, com o impacto enorme da inversão das "pirâmides" demográficas e a falta crónica de investimento e criação de competências e políticas em áreas e sectores chave, a Europa e os Estados Unidos não só não souberam tirar partido da época de crise da China como estão ainda mais vulneráveis, dependentes e enfraquecidos do que no passado.

Faltou, como quase sempre, inteligência, iniciativa, competência e estratégia de uma classe política cada vez mais diminuída, sem talento e saber, composta por "profissionais da política", completamente alheados da realidade das empresas e dos cidadãos.

E, também, como sempre, se não condicionarmos os ciclos a nosso favor e os outros o fizerem, logicamente os ciclos serão desfavoráveis para nós.

Desta forma, espera-nos mais um confronto em condições muitíssimo desfavoráveis, com uma fortalecida e renovada economia chinesa que, em definitivo, na próxima década, se imporá como potência incontestada e quase hegemónica de uma nova ordem mundial.

Espero que, no próximo ciclo, sejamos mais inteligentes e competentes… se sobrevivermos até lá, enquanto indivíduos e enquanto civilização…