BRASIL BRASILEIRO QUE FUTURO?

04-06-2024


Um dos factos mais intrigantes da geopolítica internacional nas últimas décadas, mas que, acho eu, nunca foi adequadamente discutido nem debatido, é porque o Brasil, unanimemente considerado um país com um gigantesco potencial, com recursos quase ilimitados em áreas estratégicas, desde o petróleo aos metais preciosos, passando pela agropecuária e turismo não é, de facto, e desde há muito tempo, uma potência económica a nível global.

Porque todos concordamos que podia ser, sem dúvida nenhuma.

Mas o Brasil é o eterno "país em desenvolvimento", a "futura potência", o "fenómeno para acontecer".

Mas que nunca se concretiza...

Embora com indicadores económico-financeiros muito aceitáveis sendo a 9ª maior economia mundial é, no entanto, o 87º de PIB per capita o que revela uma profunda disparidade entre rendimentos e, logo, uma enorme desigualdade social.

Assim muitos, há muito tempo, se perguntam: o que se passa com o Brasil?

Antes de iniciar esta abordagem quero lembrar-vos que a história recente do Brasil não foi nada fácil. Desde o fim da segunda guerra mundial foram muitas as mutações políticas, desde o "Estado Novo" de Getúlio Vargas até uma longa ditadura militar com a chegada, finalmente, da democracia em 1985.

Mas mesmo neste período de "Nova República" o percurso não foi sereno, com muita instabilidade, 2 destituições presidenciais (Impeachments) e mandatos polémicos e controversos em termos de polarização da sociedade civil.

Também em termos territoriais, culturais e sociais o Brasil é um enorme desafio.

É um país de dimensão continental, com diferenças em termos de recursos, possibilidades e oportunidades gigantescos.

Com um litoral muito desenvolvido continua a ter um interior muito empobrecido, com desigualdades sociais profundas.

No Brasil estão as maiores fortunas da América Latina (e mesmo algumas do mundo), mas também existem os "sem terra" os "boia fria", as maiores favelas do mundo e tem uma taxa de pobreza alarmante.

É um país que tem a floresta mais frondosa do mundo, a Amazónia, mas também tem regiões muito áridas como o sertão, zonas tropicais ao norte e zonas temperadas ao sul; tem populações de origem africana e outras de origem no norte da Europa, e, devido às várias vagas de emigração, há todas as culturas, todas as mentalidades, todas as sociedades.

Devido à sua dimensão e variedade o Brasil tem, em si, o mundo todo.

Para o bem e para o mal!!!

Esta dimensão e variedade não só geram muitas das causas do atual estado do Brasil como são dela consequência.

Os grandes problemas que o Brasil enfrenta e tem vindo a enfrentar nos últimos anos, mesmo nas últimas décadas são, precisamente, as dramáticas desigualdades sociais, a corrupção, a não existência de infra-estruturas de base para o desenvolvimento (especialmente o sistema viário e ferroviário fundamentais para a circulação e comércio de mercadorias), a educação e, um fator determinante, a altíssima taxa de criminalidade.

Já foram tentadas várias hipóteses, desde quase de extrema-direita a quase a extrema-esquerda e todas falharam.

O "Plano Real" de Fernando Henrique Cardoso pareceu funcionar, mas provocou impactos negativos enormes na inflação e na dívida externa.

Os planos de esquerda, que incidiram mais sobre a ajuda aos mais necessitados e desfavorecidos "estrangulou" a classe média com uma carga fiscal enorme e com uma "discriminação positiva" em que aqueles que não trabalhavam (logo não produziam) recebiam quase o mesmo dos que trabalhavam (e logo contribuíam), criando um clima de injustiça social, de tensão e, em alguns casos, mesmo de violência e de desacatos na ordem pública... Os planos de direita invertem a situação, aliviando a carga fiscal sobre a classe média, mas reduzindo, em muito, o auxílio aos mais necessitados, exatamente com os mesmos resultados em termos de protestos, manifestações e insegurança.

E estes permanentes desequilíbrios acabam por ser a origem, o ponto de partida, de todos os outros problemas.

Sociedades desiguais e instáveis são propensas ao individualismo, ao egoísmo, à criação de um sentido de auto- preservação. Afinal, quando o amanhã é incerto, todos se tentam preparar para o pior.

Por isso a corrupção, o crime, a violência, a desigualdade, a não distribuição da riqueza, a exploração, a falta de investimento e de dinamização da economia.

Só há investimento em mercados estáveis e só com investimento se atinge o sucesso e a prosperidade.

O liberalismo baseia-se na máxima que a iniciativa privada é a base do desenvolvimento coletivo, desde que os proveitos gerados por esse mesmo desenvolvimento sejam, pelo menos em parte, retribuídos à comunidade. Se isso não acontecer ou, no oposto, a iniciativa privada estiver fortemente restringida, então dão-se as desigualdades e as injustiças.

Ora o Brasil tem evoluído entre incentivos à iniciativa privada que não retribuem os proveitos à sociedade e restrições draconianas à iniciativa privada para sustentar políticas sociais.

Tem de se equilibrar estes dois aspetos!

E este ambiente de insegurança, de injustiça, de permanente tensão é o gerador e o potenciador de fenómenos como a corrupção, o crime, a violência, a opressão.

Não há corrupção onde há justiça social, não há crime onde há prosperidade, não há violência onde há equilíbrio social, não há opressão onde há justiça.

Querem resolver um problema?

Então não combatam as suas consequências, mas sim as suas causas e origens.

É um dogma da geopolítica global.

Mas como se faz isso num país de dimensão continental e tão diverso em termos de recursos, de mentalidades, de culturas e de políticas?

Pode, por certo, haver muitas opiniões e visões, mas a minha foca-se numa maior descentralização e numa mais equitativa distribuição da receita federal.

O Brasil herdou do regime militar um forte centralismo em que Brasília decide uma boa parte das políticas estruturais de todo o país. Da saúde à educação, das infra-estruturas à economia, quase tudo se decide na capital, longe de tudo e todos.

Ora um país de dimensão continental não pode ser governado desse modo.

As necessidades do Rio Grande do Norte estão muito longe de ser as mesmas que as do Rio Grande do Sul e as do Rio de Janeiro são quase díspares das do Pantanal.

Os diferentes Estados têm de ter mais autonomia e independência para que, conhecendo as suas especificidades, necessidades, carências, mas também as potencialidades e oportunidades de cada um possam sanar as carências e potenciar as vantagens, assim como desenvolver programas de apoio ao empreendedorismo, infra-estruturas e sistemas que tornem, cada um dos Estados, tão diferentes entre si, unidades autónomas, rentáveis e prósperas.

O governo federal terá que se relegar para a função de um regulador, um facilitador, dinamizador, mas também fiscalizador e unificador de todo este esforço conjunto, mas individualizado.

O Governo Federal tem também de ser um garante de estabilidade, de apoio, um auxiliador no desenvolvimento de cada um dos Estados, não decidindo mas ajudando a implementar as decisões das várias regiões, promovendo, por exemplo, as sinergias entre os Estados, o espírito de entre-ajuda, a criação de um equilíbrio entre os Estados mais prósperos e os Estados menos rentáveis, de modo a que uns ajudem os outros sem, no entanto, criar injustiças ou discriminações positivas, sempre causa de tensões políticas e sociais.

Os Estados mais ricos ajudarem os Estados mais pobres não é a mesma coisa que os mais prósperos manterem e sustentarem os menos abastados.

O Governo Federal também deve ter autonomia e capacidade de intervenção junto dos Estados de modo a que, promovendo a autonomia, consiga manter a unidade e a coesão do Brasil como um todo.

Porque há políticas e ações que devem ser sempre federais, tais como o combate da desertificação do interior, as infra-estruturas inter-estaduais ou áreas como a defesa, a política externa, a estabilidade cambial e os planos económicos estratégicos.

Desta forma cada Estado, unidades mais pequenas logo mais facilmente geríveis, podem ter estratégias e táticas muito mais assertivas, focalizadas e eficazes em termos de saúde, educação, justiça e desenvolvimento de áreas económicas, só por exemplo.

O que o Governo Federal tem de fazer é promover a colaboração, entre-ajuda e sinergia entre os diversos Estados de modo que o todo seja muito melhor e maior que a simples soma das partes.

Pode fazer isso, por exemplo, criando incentivos ao mercado interno, atraindo investimento externo ou promovendo "deslocalizações" de áreas saturadas (como as grandes metrópoles de São Paulo e Rio de Janeiro) para áreas com fenómenos de sub-população e sem investimento recorrendo, por exemplo, a benefícios ou isenções fiscais.

Desta forma, com uma política de descentralização, um reforço da natureza federal do Brasil, com a maior autonomia dos Estados e, dentro desses Estados, mesmo dos municípios e regiões (alguns Estados são maiores que muitos Países Europeus), tudo isto, como é obvio, devidamente potenciado, mediado, regulamentado e fiscalizado pelo Governo Federal, permitiria um maior equilíbrio e equidade entre os diferentes e distintos Estados, uma mais eficaz aplicação das receitas fiscais, um mais rápido e sustentado desenvolvimento e, logo, uma maior uniformidade e estabilidade em todo o território brasileiro, em suma, entre o poder executivo e as populações.

Claro que tudo isto acarretará muitas disputas, muitas negociações, muitas cedências de parte a parte, obrigará a compromissos e mesmo pactos de regime entre as diversas forças políticas e entre os Estados de modo que se consiga, de facto, implementar.

Claro, também, que será um processo longo, moroso, com avanços e recuos, com vitórias e derrotas, não isentos de erros e desvios, mas que, acho, urge iniciar.

Óbvio que todo este processo estratégico terá de ser inteligentemente dividido em diferentes planos táticos em que terão origem os planos operacionais, esses sim, com efeitos práticos junto das comunidades, das empresas e dos cidadãos.

Porque se não se começar, para além de todos os naturais medos e receios, então o Brasil não só não evoluirá como entrará em receção porque, como já várias vezes disse, na geopolítica não existe estagnação: quando não se está a evoluir está-se a regredir.

O Brasil tem de se "desunir" para ficar mais unido, tem de se descentralizar para ficar mais uno, tem de dar mais relevância à individualidade para se transformar num mais forte coletivo.

O Brasil, para ser um Brasil forte, uma potência e gerar riqueza numa base de justiça social, tem de ser menos "brasileiro".

Descentralizar para unir, dividir para fortalecer, individualizar para coletivizar, eis o que eu acho ser o ponto de partida, o início do percurso de um Brasil forte, que se imponha nos mercados globais, que se afirme como potência regional ou mesmo mundial e que assuma o estatuto que, naturalmente, lhe é devido.

Um Brasil menos "brasileiro", mas um Brasil mais forte, justo e poderoso.


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