Aprender a liberdade

26-04-2023

Ontem foi 25 de abril, dia em que se celebra a revolução que trouxe a Portugal a liberdade depois de 50 anos de uma ditadura que foi, como em quase tudo no país, não assumida, branda, mansa (mansa tem mesmo um sentido profundamente pejorativo para que não restem dúvidas).

A revolução também foi assim: Nada de mortos, nada de tiros, muitos cravos, pouco sangue que cá nós portugueses gostamos de falar alto mas depois somos de gestos e atos… mansos….

O período pós-revolucionário, o famoso Processo Revolucionário em Curso (PREC) mostrava-se tenso, aguerrido!!!!

Grandes ideias para um Portugal Socialista, ou comunista, reformas agrárias, gestão popular, Nacionalizações... Mas cedo se provou que o Estado é o seu maior inimigo. E Ramalho Eanes e Jaime Neves, a 25 de Novembro, puseram ordem na casa.

Ramalho Eanes, essa honrosa exceção à regra simplesmente pela sua coerência, real patriotismo e honra, tentou (oh se tentou!!!!) que Portugal fosse um país calmo, democrático, sereno, mas não manso.

Mas muito cedo se entendeu que políticos de fachada não gostam de democracias reais e sucessivos governos formados por esses mesmos políticos inviabilizaram o país sonhado em 25 de Novembro e mesmo em 25 de Abril....

E o resto, como se costuma dizer, é história...

Não seria de esperar que o que se seguiu à revolução fosse muito diferente.

Também a nossa democracia é não assumida, branda e mansa.

Eu tenho quase a mesma idade da revolução. Por isso tenho crescido com esta perda crescente de entusiasmo, de significado, de sentido de tudo o que lhe diz respeito.

Ouço, já, alguns contemporâneos meus e muitos jovens com a expressão "porra!!! Outra vez o 25 de abril!"

De facto, fascismo nunca mais… mas o que é o fascismo? Ditadura nunca mais…. Mas o que é ditadura? PIDE nunca mais…. Mas o que era a PIDE?

Quem fez e realizou o 25 de abril, dos militares aos políticos, dos sindicalistas aos cidadãos, estão tão certos e convictos da sua importância que acham que não a tem que a explicar, não tem que a enquadrar, não tem que a ensinar.

Que o 25 de Abril é como a apêndice: nasce connosco e pronto!

Os políticos de ontem querem impor máximas, chavões, palavras de ordem que, por muito corretas, certas e pertinentes que estejam (e muitas estão), para a minha geração e todas as que depois da minha vieram, simplesmente não fazem sentido.

Simplesmente porque, embora respeitemos, agradeçamos e apreciemos, não a vivemos.

Temos que dizer de uma vez por todos que o 25 de Abril, para quem nasceu depois de 1974 está ao mesmo nível da Batalha de São Mamede ou da chegada de Vasco de Gama à India.

Foi importante, foi até fundamental, mas é história.

Os políticos de ontem esquecem-se que o passado já passou e que, graças a eles, hoje vivemos em liberdade, em democracia, em pluralismo, e que por isso lhes estamos eterna e imensamente gratos.

Que o fundamental no 25 de abril não é ter existido, mas o que gerou.

E o que gerou foi a Liberdade, a democracia e o pluralismo.

Mas essas 3 conquistas não bastam ser anunciadas, festejadas e apregoadas.

Não basta ser livre: tem de se saber ser livre; não basta viver em democracia: é necessário vivenciar, participar, contribuir para essa democracia; não basta ser plural nas ideologias, nas políticas, nos ideais: é preciso aplicar esse pluralismo, mesmo e principalmente, quando este é contrário ao que pensamos, acreditamos e defendemos.

Portugal e os portugueses precisam, fundamentalmente, de aprender a ser livres, de aprender a viver a democracia e aprender o que é pluralismo.

Tem de aprender que liberdade não é libertinagem, que democracia é mais um dever do que um direito e que o pluralismo é aceitar, sem reservas ou limitações, que o outro tem direito à sua opinião e a expressá-la.

Tem de se aprender que liberdade não é individualismo, que a democracia não tem donos nem senhores e que no verdadeiro pluralismo não há verdades absolutas nem ideais incontestáveis.

Que ser livre implica respeitar a liberdade do outro, que ser democrático é assumir, sempre e sem qualquer tipo de exceção ou desvio, que a vontade do povo é total e absolutamente soberana e que pluralismo é respeitar que todos, mas mesmo todos, tem o inegável e inalienável direito de "competir" por essa mesma vontade popular, mesmo que contrária à nossa.

Liberdade, democracia, pluralismo não são discursos e cravos ao peito, não é chavões com 50 anos que já ninguém entende, não é lutar contra inimigos que já não existem e travar lutas que já não fazem sentido.

Liberdade, democracia, pluralismo é a vivência diária de uma sociedade que se esforça, sempre, por ser mais justa, mais equitativa, mais produtiva, mais próspera, enfim, mais feliz!

Mas fundamentalmente, "ser abril" é respeitar os ideais que nesse dia foram conquistados.

E alguns obreiros da Abril não o estão a fazer, tentando acabar com partidos políticos legalmente constituídos e com deputados democraticamente eleitos, tentando impor "causas", mas não permitindo outras, tomando "partidos" e "simpatias" sem permitir contestação, oposição ou discução.

Porque ser livre, democrático e pluralista é respeitar tanto o Bloco de Esquerda como o Chega, é ouvir a Mariana Mortágua com a mesma atenção que se ouve o André Ventura, é ter se aceitar que há pessoas que apoiam a invasão da Ucrânia pela Rússia e outras que acham que as vacinas são uma maquinação para nos controlar a mente…

No extremo, mas em concreto, ser Abril, em pleno, é respeitar quem não concorda com Abril.

E isso não está a acontecer e, como não está a acontecer, muitas coisas não fazem sentido, esvaziam-se de coerência e tornam-se alvos fáceis de quem os quer atacar e destruir.

E os resultados estão aí mesmo à frente dos nossos olhos: o descrédito da classe política, o desinteresse geral da população pela vida pública e política, o nível cada vez mais baixo, medíocre e delinquente de quem vai para a vida política, as crescentes taxas de abstenção….

O desnorte, incompetência, amadorismo e absurdo da vida política portuguesa, com pareceres que primeiro não podem ser mostrados mas depois nem sequer existem, de aeroportos que vão ser construídos mas afinal já não, de demissões e escândalos estúpidos e ridículos semanais são o espelho, muito resumido mas claro do nível, da capacidade e qualidade da nossa classe política.

Porque, não duvidem: eles estão a fazer o melhor que podem e sabem!

Mas o melhor que sabem e podem é isto...

E, pior: é que as alternativas não são melhores, acho eu até, que muito antes pelo contrário....

E neste contexto lá vamos nós "apanhar" com mais uma "manif" de cravos e bandeiras vermelhas e os gritos de "25 de abril sempre" e "fascismo nunca mais"...

Agora sou eu que digo: já não há paciência!!!

Ao menos sejam criativos e mudem os "slogans"!!!

Sejam tudo o que quiserem, eh pá, mas com bom gosto e algum estilo.... assim ainda mantemos alguma dignidade....

Resumindo: a defesa bacoca e descontextualizada dos ideais de Abril está a aniquilar esses mesmos ideais e a abrir portas, de par em par, ao seu extremo: o radicalismo, a intolerância, a censura, a ditadura.

Cansados da estagnação, o povo insatisfeito e desiludido, volta-se para a alternativa mais sonante, estridente e facilitista, seja à esquerda ou à direita, mesmo que, numa simples analise, se entenda que tudo não passa de utopia, demagogia e logro.

Precisamos de ser livres, mas promover a liberdade, precisamos de ser democráticos mas participar na democracia, precisamos de ser pluralistas mas praticar o pluralismo.

Porque só aí se concretizará "(…)a madrugada que eu esperava,

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do

silêncio

E livres habitamos a substância do

tempo" do genial poema de Sophia de Mello Breyner.

Outros fizeram o 25 de abril, falta agora que ele se concretize.

E isso somos nós, a minha geração e os que depois de nós virão, que terão que o fazer, de cumprir.

Falta cumprir-se as palavras de Sophia, falta cumprir-se a liberdade, falta cumprir-se Portugal.


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