AFINAL PORQUE A RÚSSIA ESTÁ A “PERDER” NA UCRÂNIA?

20-09-2022

Eu era daqueles que afirmava que o melhor da Ucrânia nunca conseguiria, militarmente, vencer o pior da Rússia.

Nunca duvidei da rápida vitória militar da Rússia.

Nunca acreditei, isso sim, na manutenção dos territórios conquistados.

Uma coisa é conquistar, outra, completamente diferente, é manter, pacificar, reconstruir.

Sempre achei que a estratégia da Rússia seria conquistar o máximo território possível, para, na futura mesa de negociações, Putin ter "uma boa mão", isto é, poder abdicar de muito para que o Ucrânia não pudesse recusar a cedência dos territoriais do Donbass, esse sim, o verdadeiro e único objetivo da administração de Putin.

Nas negociações de paz, a Rússia só terá hipótese de sair a ganhar se o que tiver a oferecer for muito melhor do que a Ucrânia tiver que perder.

Mas, como é sabido, tal não aconteceu ou está a acontecer.

As forças armadas Russas, imbatíveis na teoria militar, não só não estão a vencer como estão mesmo a ceder no real campo de batalha.

Para todos os especialistas e analistas militares é uma surpresa total!

Como é possível??!!!

Avanço, apenas, algumas razões que penso explicar, pelo menos, as principais razões, as mais "geopolíticas", desta inusitada situação.

Em primeiro lugar porque as forças armadas russas são uma grande potência. E sendo uma grande potência são altamente hierarquizadas, burocratizadas, em que quem toma as decisões está longe, muito longe, da linha da frente, da sua realidade, das suas dificuldades, das suas particularidades.

 Logo, muitas das decisões tomadas em Moscovo tem de passar pela longa e muito lenta cadeia hierárquica russa (num país secularmente famoso por ser o expoente máximo da burocracia paralisante), fortemente conservadora, que, quando chegam à frente de combate, já não tem qualquer efeito, eficácia e chegam a ser contraproducentes.

Outro fator que acho que está a ter um enorme "peso" neste revés Russo é o facto de toda a estrutura militar e mesmo política de Moscovo ser altamente "conservadora", isto é, perante o risco, perante a duvida, perante o inserto, ninguém decide nada. Porquê? Porque tem medo de Vladimir Putin, da sua fúria, das suas vinganças, das suas purgas. Como se tem visto nos últimos anos e, em particular nos últimos meses, quem erra, no Kremlin, paga bem caro esse erro, e ninguém quer assumir esse custo.

Logo, ninguém decide coisa nenhuma e uma frente de combate altamente dinâmica, desafiante e não convencional como a ucraniana, precisa de decisões atempadas, rápidas, ousadas e, não raras vezes, arriscadas.

Como se sabe antes da vitória tem de se sofrer algumas derrotas. Mais: há derrotas estrategicamente planeadas para abrir o caminho à vitória. É a mais básica estratégia militar.

Mas Putin e os seus oficiais e bajuladores conselheiros parecem não conhecer esta máxima.

Até sabem, mas....

Pensavam o mesmo que nós: que as forças armadas russas eram invencíveis 

E porque acreditavam?

Porque é o que diz a teoria: meios humanos e materiais extraordinários, reservas quase infinitivas, capacidades de abastecimento inquestionável, meios próprios de produção, matérias-primas próprias....

Em termos militares: um sonho!

Mas, como quase sempre, os sonhos não correspondem à realidade!

Afinal é um sonho que nunca foi posto na prática, nunca foi testado, desde 1988, e, mesmo nessa altura, guerra do Afeganistão, terminou numa retirada com sabor a derrota.

A intervenção na Chechênia foi muito focalizada num território muito delimitado e a invasão da Crimeia foi algo num contexto tão favorável para a Rússia e tão desfavorável para a Ucrânia (a sair de um golpe de estado interno) que quase não teve resistência.

A Rússia é o exército invencível que nunca combateu desde 1945 e, quando o fez depois disso, perdeu.

Em rigor as 2 grandes potências, se analisarmos a história, nunca venceram uma guerra sozinhos. A história militar da Rússia (mesmo enquanto União Soviética) e dos Estados Unidos da América é uma longa e penosa história de derrotas, desaires e vergonhas. Afeganistão (os 2), Iraque, Síria (os 2), Vietnam, Coreia... Forças Armadas demasiado "pesadas", com demasiados "oficiais de gabinete", demasiado politizadas, burocratizadas, movidas por interesses e motivações muito diferentes daquelas que importam na área de operações.

Rússia e Estados Unidos venceram a primeira e a segunda grande guerra, mas em coligação com os Britânicos.

Como o próprio Estaline afirmou "o que venceu a segunda grande guerra foram as máquinas Americanas, o sangue Soviético e o cérebro Britânico!"

E, como todos sabemos, máquinas e sangue sem cérebro de pouco ou nada valem em lado nenhum, em especial no campo de batalha.

Por último a motivação das tropas russas, até mesmo dos oficiais. 

O regime oligárquico, elitista e mesmo ditatorial de Putin e dos que o rodeiam, vai criando cada vez mais "anticorpos", cada vez mais relutância, cada vez mais oposição.

Não uma oposição direta, por medo, mas antes uma oposição silenciosa, que gera a inércia, a desmotivação, a desagregação entre o governo e o conceito de Estado, entre as elites dirigentes e o sentido da Pátria, conceito tão amado e querido para os russos que chama ao seu país "mãe", a famosa "Rodina".

Ora, por muito material que se tenha, por muitas tropas que se possua, nunca ninguém venceu uma guerra com militares desmotivados, desinteressados, sem respeito por quem os comanda e por quem os governa.

E isso especialmente quando, do lado da Ucrânia, observa-se exatamente o oposto: o material é pouco e desatualizado (embora complementado com algum enviado do ocidente, mas muito limitado pelo tráfico dentro da própria Ucrânia), mas as tropas estão motivadas, interessadas e em completa sintonia e união com quem os comanda e com quem os governa.

Vladimir Putin comanda as suas tropas, mas Volodymyr Zelensky lidera os seus homens.

Putin é obedecido porque é temido, Zelensky é obedecido porque é admirado e amado.

E isso, no campo de batalha, na lama, no pó, "debaixo de chumbo", não decide, mas, acreditem ou não, faz muita diferença, quase toda a diferença.

Outras tantas razões poderia avançar para este espantoso desaire russo na guerra da Ucrânia.

Falta saber se as frágeis e inexperientes Forças Armadas Ucranianas saberão tirar vantagem e partido desta situação (que tende a alterar-se por "correções" que estão a ser feitas, neste momento, no "núcleo central" do Kremelin), ou vai só conseguir manter um conflito que ninguém perde, mas também que ninguém vence e se prolonga por meses e anos gerando cada vez mais mortes, mais miséria, mais dor e beneficiando sempre um invasor que, neste momento, pode até não ganhar, importa é não perder!