AFINAL PARA QUE SERVEM OS SERVIÇOS SECRETOS? (isto se é que existem mesmo...)

06-06-2023

Serviços Secretos para a frente, Serviços Secretos para trás, afinal eram os Serviços Secretos que deviam ter ido ou não ter ido buscar o computador do assessor, afinal quem ativou os Serviços Secretos, quem pode, em rigor, ativar os Serviços Secretos, os Serviços Secretos ativam-se, como se ativam, o que fazem quando são ativados???!!!

Mais uma questão: Portugal tem, de facto, Serviços Secretos?

Acho que todas e muitas mais questões foram colocadas (umas muito bem respondidas outras, como sempre, nem por isso), nos últimos tempos, em Portugal sobre os tais Serviços Secretos e tudo o que com eles se relacionam menos uma:

Afinal o que são os Serviços Secretos e para que servem?

E isto sem floreados e politiquices.

Então, esta semana será este o nosso tema.

Mais: não o vamos restringir a Portugal!

Vamos alargar isto, e tentar entender para que servem os Serviços de Inteligência e Informações (nome correto e verdadeiro dos tais "Serviços Secretos") e porque é que os Estados e, atualmente, mesmo as empresas e as organizações, precisam tanto deles.

Vamos a isto:

Todos os dias os governos e a administração pública, assim como Gestores e Empresários, têm de tomar milhões de decisões. Desde as mais simples e triviais àquelas que podem pôr em causa o bem-estar, a prosperidade e a segurança de todos nós. E, cada vez mais, essas decisões tem de ser tomadas mais rapidamente, mais assertivamente e mais irreversivelmente tendo em conta a velocidade e globalidade tanto dos mercados como da própria proliferação da informação.

E para tomar as decisões, assim como qualquer decisão, mesmo na nossa vida, é preciso informação.

É algo que muitas vezes nos esquecemos: as decisões são tomadas com base nas melhores informações que temos sobre aquilo que vamos decidir.

Decidimos o que vestir, para onde ir, como ir, o que fazer, quando fazer porque, anteriormente recolhemos (ou devíamos ter recolhido) e adquirimos informações que nos permitem (ou não) fazer tudo isso. Se as informações forem "boas" fazemos bem feito, decidimos bem e atingimos o sucesso. Se não forem... bom... aí a sorte de cada um tem mesmo muita influência.

Mas o destino e as ações dos governos e dos Estados, assim como das empresas e das organizações, que influenciam a vida de milhares ou mesmo milhões de pessoas, o seu presente e, fundamentalmente, o seu futuro, por vezes por gerações, não podem (ou não deviam poder) estar dependentes da "sorte" ou do "acaso", mas sim em informações atuais, fiáveis e assertivas.

Essas informações que os governantes e outros decisores precisam para decidirem algumas estão disponíveis e acessíveis, mas outras não. Algumas estão dispersas, ou são tão "delicadas" e "sensíveis" que não convém perguntar diretamente, ou, então, estão mesmo ocultas, protegidas, porque alguém, por alguma razão, não quer que a essas informações se tenha acesso.

Ora: mas se essas informações são mesmo necessárias de algum modo terão de ser obtidas.

Os Decisores (disseram-me que, na gíria dos Serviços, lhe chamam DMks, de Decision Makers) tem mesmo de as ter porque, em muitas situações, não podem correr o risco de decidir mal.

Há situações em que o erro, simplesmente, não é uma opção!

Essa é a realidade!

Por isso a informação tem de ser obtida.

Claro, como as pessoas que trabalham nos Serviços de Informações são, todos, verdadeiras Senhoras e Cavalheiros, primeiro vão investigar para ver se a informação está disponível sem ter que se chatear ou incomodar ninguém.

Ouvi dizer que em cerca de 67% das vezes é esse o caso.

E assim sintetiza-se a informação de suporte à decisão num relatório curto, claro e conciso e entrega-se ao DMk para que ele decida em consciência (até já me sinto assim um mini-Bond!!!!).

Mas às vezes a informação não está disponível e está na posse de alguém.

Quando é assim, primeiro, pede-se com educação! Se forem simpáticos fornecem a informação e vai-se beber umas minis e comer uns tremoços! 

Mas quando não querem ser simpáticos... lá se tem de encontrar outros meios para se ter, não o que se quer, mas o que, de facto, em concreto e na realidade, se precisa mesmo para dirigir, para optar, para governar, em suma, para decidir no melhor e maior interesse do Estado e do Povo ou então das empresas e das organizações.

E é precisamente para isso que servem os Serviços de Inteligência e Informações dos Países e, mais recentemente, das organizações e empresas: para fornecer informações (estejam disponíveis ou não) aos governos e decisores para que estes possam tomar as melhores decisões para todos nós.

De facto, nos últimos 10 anos, a informação, o seu controlo, posse e segurança assumiu um papel tão relevante que há empresas que tem os seus próprios Serviços de Inteligência e Informações, de modo a, primeiro, proteger a sua própria informação estratégica e, em segundo, estar permanentemente informadas sobre o que o mercado, em especial os concorrentes diretos, andam a fazer e a planear.

Quando são grande empresas e organizações, investem e estruturam, internamente, os seus próprios Serviços pois também os rentabilizam em outras áreas da sua atividade tais como na verificação de antecedentes de quem contratam (para não correrem o risco de contratarem incompetentes, mentirosos ou, então, mesmo, "espiões" da concorrência, designando-se este o processo de Vetting e Clearance)  à avaliação de risco de concessão de crédito, à qualidade e fiabilidade de fornecedores e subcontratados, propriedade industrial e comercial, cumprimentos de requisitos legais e normativos, capacidade de cumprir prazos, princípios de concorrência leal, cumprimento de contratos de exclusividade, etc., etc., etc..

Quando as empresas são mais pequenas contratam as designadas PIC (Private Intelligence Companies), isto é, verdadeiros "Serviços de Inteligência e Informações" privados que prestam os seus serviços a outras empresas, organizações ou mesmo a Estados quando estes, ou acham que "não vale a pena" ocupar os seus próprios Serviços de Informações no assunto, ou quando a área de aquisição de informações é muito especializada e os Serviços próprios não tem capacidade técnica e cientifica para a verificar ou validar (porque há PICs altissimamente especializadas em determinadas áreas de informações) ou, por último, literalmente, quando é demasiado arriscado envolverem-se diretamente pois, se a missão correr mal, o País ou a Empresa pode sofrer consequências diplomáticas e legais sérias... mas... se for uma empresa privada... o País ou organização não tem nada a ver com o caso que até desconhece e, claro, veemente condena.

Simples! Não é?

Claro, que no âmbito da recolha de informações, agora mais ao nível dos Estados, por exemplo, também são "investigadas" (na gíria diz-se "entram no radar") pessoas ou grupos, que, por vários motivos, razões e indicadores "parecem" que podem tornar-se ou mesmo ser uma ameaça contra a estabilidade e a segurança do País, desde grupos terroristas a organizações radicais, redes transnacionais de Crime Organizado, mas também informações sobre produção de matérias primas, mercados financeiros, possíveis investidores ou negócios a atrair ou a evitar.

Tudo isto está no âmbito das funções de um Serviço de Informações de um Estado, de uma empresa ou orhganização.

Mas então porque é tão "Secreto"?

Bom!

Primeiro pela sua origem.

De facto, sempre houve "serviços de informações" e alguns muito bem organizados. Eram utilizados, na esmagadora maioria das vezes, em questões bélicas, isto é, na guerra.

Já Sun Tzu, na sua magistral obra "A arte da guerra" falava do benefício da utilização de "espiões". Maquiavel n'"O Príncipe" concordava com Sun Tzu e até dava umas sugestões para o aumento da sua eficiência.

E sabemos que, ao longo da história, Reis e governantes, Países e Nações, sempre quiseram saber o que os outros andavam a fazer, de bom e de mau, inimigos e também amigos, porque, afinal, melhor saber do que ser "apanhado" desprevenido e, neste mundo incerto e de mutação constante, o que hoje é, amanhã deixa de ser, o amigo passa a inimigo e vice-versa...

Para isso a técnica mais utilizada é a "espionagem", isto é, ter um elemento do "inimigo" a "trabalhar" para nós, a contar-nos os segredos, as intrigas, as dificuldades.

Sabendo isso os governantes do país que espia sabe se se deve preocupar ou não, se pode "explorar" alguma fraqueza, etc, etc..

Ora, tudo isto, desde sempre, teve de ser feito em segredo, óbvio, recorrendo a códigos, ardis, chantagens, seduções e todo o tipo de táticas nem sempre (ou quase nunca) "moralmente" recomendáveis.

Daí, desde o princípio, os Serviços de Informações, tiveram esta aura de mistério e de oculto.

Mas tudo isto era algo de informal, amador, não organizado, não formalizado e muito menos regulamentado.

Ia acontecendo conforme era necessário e era executado por indivíduos que tinham mais ou menos "jeito" para o fazer.

Somente durante a Primeira Guerra Mundial, um Capitão da Marinha Britânica, Sir George Mansfield Smith-Cumming, decidiu criar uma organização, devidamente formal, estruturada, com procedimentos e pessoal devidamente formado e treinado, que, como único objetivo tivesse, precisamente, a aquisição e processamento continuado e sistemático de informações críticas de suporte à decisão (militar e política) mas, também, acrescentou o primeiro Chefe (desde aí o Diretor dos Serviços de Informações do Reino Unido é conhecido por "C"), a proteção dos próprios segredos do Estado.

Afinal convém que os outros não nos façam a nós o que nós fazemos aos outros. "Nascia" assim a Contra-Inteligencia que muito raras vezes se houve falar, embora seja mais 80% de toda a atividade de Inteligência do mundo.

Foi, então, com o Capitão Smith-Cumming, que se funda, assim, a Inteligência Militar (Militar Intelligence com a sigla MI, daí o MI5 e o MI6, respetivamente, o Departamento 5, responsável pela recolha de informações no interior do país e o Departamento 6, fora do país) que surgem os primeiros Serviços de Informações.

Os Norte-americanos acharam a ideia fantástica e criaram, com a ajuda dos britânicos, o Office of Strategic Services, o OSS (com a primeira academia de treino no Canadá) que daria, mais tarde, origem à famosa CIA, a Central Intelligence Agency.

Os soviéticos também acharam piada à ideia, que, aliás, já praticavam com particular mestria pela Cheka (organização "informal" chefiada pelo "Camarada" Estaline) e que, depois várias mudanças de nome (mas não de "métodos"), lá se tornou o famosíssimo (e, cá entre nós, extremamente eficiente) Comité para a Segurança do Estado, ou Комитет Государственной Безопасности, o (e não "a") KGB.

Claro que todos estes Serviços foram evoluindo, foram criando programas de formação, investindo em métodos, técnicas, ferramentas, dispositivos (foram os serviços secretos que inventaram coisas que, agora, fazem parte do nosso quotidiano, tais como o computador, a internet, o telemóvel, o smartphone, o Smartwatches, o Micro-ondas, por exemplo) até se tornarem, alguns, organizações muito evoluídas, organizadas e, claro, poderosas, algumas delas verdadeiros estados dentro dos Estados, como é o caso do Paquistão, em que o ISI (Directorate for Inter-Services Intelligence) dá-se ao "luxo" de "aprovar" ou não os Presidentes democraticamente eleitos. Quando não são "aprovados" tem uma enorme tendência a falecer subitamente...

Como é óbvio, e ao longo do tempo e cada vez mais, tanto militares como políticos adoraram a ideia.

Afinal, nada melhor do que decidir sabendo o que se está a decidir.

E, assim, atualmente, quase todos os países do mundo tem os seus Serviços de Informações, alguns melhores que outros, uns maiores que outros, como tudo na vida e, como vimos, alguns até já subcontratam.

Continuam, claro, envoltos numa "névoa" de mistério e encanto….

Por um lado, pela própria natureza da atividade, que, na sua génese, não sendo "secreta", porque, por exemplo, nos Estados de Direito democrático, está devidamente enquadrada legalmente, é escrutinada e fiscalizada por grupos e comissões representativas do poder político, logo, não pode ser, em rigor, "secreta", mas pelo menos tem de ser "discreta" para não perder a sua utilidade e eficiência.

Mas, fundamentalmente, toda a atividade dos Serviços de Inteligência e Informações, vê-se envolta em "encanto e "glamour" pelo imaginário coletivo para o qual personagens como o James Bond, o famoso 007 (criado por Iam Fleming, ele próprio, durante toda a vida, agente do MI6), e os livros e filmes do John Le Carre, Gram Green (ambos, também, agentes do MI6) entre tantos outros, muito contribuíram.

Mas, no fundo e em rigor, os Serviços de Informações são, somente, um conjunto de mulheres e homens, das mais diversas áreas de especialidade e saber, desde economistas a informáticos, desde militares a biólogos, que, todos os dias, normalmente por meios muito simples e sem grande risco, recolhem, processam, compilam e analisam informações que suportam as decisões que os nossos governantes e decisores, públicos e privados, têm de tomar.

Também, todos os dias, estão alerta em relação a tudo o que possa pôr em causa ou em risco o bem-estar e a segurança do Estado e dos cidadãos, investigando "boatos", "seguindo" desconfianças, verificando "rumores". Uns nunca passam disso mesmo, boatos, desconfianças, rumores, mas outros são mesmo ameaças e perigos para todos. Nesses casos os Serviços de Informações "passam" a informação para as autoridades de Investigação Criminal para que, no rigoroso cumprimento da Lei, se investigue, se atue e reponha a Lei e a Ordem. Pois, como sabemos, as autoridades só podem atuar baseado em provas e, em algumas situações, infelizmente, quando há provas é porque o pior já aconteceu.

Às vezes, excecionalmente, também fazem recolha de material informático fora de horas, mas isso só quando pedem com jeitinho e ajuda no orçamento!

Mas, acreditem, muito do "glamour", da ação, da aventura, das viagens e da adrenalina dos Serviços de Informações ficam mesmo nos filmes.

Um amigo meu que tem um amigo que tem um conhecido que ouviu dizer que um primo de um outro amigo que trabalhava nos Serviços Secretos Britânicos, insinuou que o David Cornwell (o verdadeiro nome do famoso escritor de livros de espionagem John le Carré) disse, numa primeira aula da formação de futuros agentes de Serviços de Informações "Meninas e Cavalheiros, bem-vindos ao mundo da infinita monotonia onde tudo o que está nos livros é a vida que gostaríamos de ter mas que nunca teremos. Incluindo as bebidas!".

Os Agentes de Informações, os "Agentes Secretos", não são Santos, mas muitas vezes são heróis; nem sempre fazem o mais correto, mas tentam sempre fazer o mais adequado, nem sempre seguem os mais altos padrões morais mas só o fazem para que nós possamos ter uma vida mais calma, com bem-estar, com estabilidade e paz.

Como afirmou publicamente o grande Meir Dagan, ex-Diretor de um tal Departamento que há lá em Israel mas que ninguém conhece ou sequer sabe da existência (palavra "Departamento" que, em Hebraico, e só por acaso, diz-se "Mossad") "para que alguns durmam sossegados outros tem que ficar acordados".

E tudo isto sem receber elogios públicos, prémios, reconhecimento, condecorações… tendo como única motivação a certeza do dever cumprido, do objetivo alcançado, do bem-estar dos cidadãos e da segurança do país.

Sempre atentos, sempre alerta, sempre no lado negro da sombra, mas sempre lá!

Por isso merecem o nosso respeito, admiração e gratidão.

Eles agradecem…. Embora vocês nunca o saberão.