A VERDADE DO QUE SE PASSA NA TURQUIA: tudo o que se devia saber e não se diz.

21-02-2023


A 6 de Fevereiro o Sul da Turquia e o norte da Síria foram atingidos por sismos que, em alguns casos, ultrapassaram os 7.8 graus na escada aberta de Richter, causando uma devastação enorme.

A estes sismos, outros (as designadas réplicas), com quase a mesma intensidade, abalaram a região por dias consecutivos, causando tantos ou mais mortos que o inicial.

Hoje, 21 de Fevereiro, o número de vítimas ascende a 43.000.

Isto uma estimativa do lado Turco porque do lado Sírio nada ou quase nada se sabe.

É uma catástrofe!

E quando utizo o termo "Catástrofe", não o uso no contexto da linguagem coloquial, mas sim em termos técnicos, isto é: a Turquia não tem capacidade interna nem para a resposta nem para a recuperação, o que define uma Catástrofe em si.

E isso é um facto.

E porque digo isto com tanta certeza?

Porque, tendo em conta a área e as consequências registadas, não há nenhum país, pelo menos que eu conheça, nem os mais ricos e "evoluídos", com capacidade própria e instalada, tanto para a resposta como para a recuperação, de um evento com este impacto.

Mas, de facto, o que Recep Tayyip Erdoğan, Presidente e Senhor todo-poderoso da Turquia, está a fazer em relação a isso?

Pouco, muito pouco, mas mostrando o oposto.

Como é seu hábito, costume e como, aliás, sabe fazer muito bem.

Primeiro a análise da circunstância:


Zona afetada (fonte Google Maps)
Zona afetada (fonte Google Maps)

A principal região afetada, Hatay, é preferencialmente habituada por Alevitas, que são uma confissão própria dentro do Islão ao Islão, com muitas influências pré-islâmicas (mais árabes que islâmicos), representando cerca de 20% da população da Turquia, onde desempenham um papel importante nos movimentos seculares e de esquerda, logo, em oposição ao Presidente, oposição essa nem sempre muito silenciosa, nem sempre muito pacífica.

O mesmo Presidente que vai a eleições a 14 de Maio deste ano, tentando-se perpetuar no poder onde já está há mais de 20 anos.

Mas com a inflação a chegar aos 58%, um Estado cada vez mais inoperante, com desigualdades regionais cada vez mais pronunciadas e com a "democracia musculada" a transformar-se, cada vez mais, numa ditadura declarada, Erdogan, não se pode dar ao luxo de cometer erros e ser demasiado óbvio na manipulação dos resultados eleitorais.

Porque, embora vá, por certo, fazer tudo para controlar as eleições, não o pode fazer como, por certo, quereria, pois, membro destacado da NATO pelo seu posicionamento geoestratégico, candidatado à integração à União Europeia e num continuo esforço diplomático para se tornar a grande potência regional e mediadora numa zona cada vez mais instável, os "homens do presidente", isto é, os Serviços Secretos Turcos (MIT - Milli İstihbarat Teşkilatı - Organização de Inteligência Nacional em português), estão sob forte escrutínio e atenção internacional, não podendo fazer o que querem, como querem, com quem querem, como estavam habituados.

Por isso, repito, Erdogan, não pode ter percalços, nem "deslizes".

Porque qualquer erro, crime ou irregularidade, a menos que chegue aos ouvidos da comunicação social, não vai ser denunciada e exposta pelos países ocidentais, mas sim utilizada como "moeda de troca" nas sempre difíceis negociações que sempre existirão com a Turquia (por exemplo, atualmente, a integração da Suécia na NATO que a Turquia está a impedir).

Na Realpolitik, há duas coisas que valem mais do que tudo: segredos inconvenientes e favores.

São essa as duas "moedas correntes" no Deep State internacional. Pagar um favor ou, então, calar ou expor um segredo comprometedor, é o que dita, de facto, as relações e as decisões na política real.

Desta forma, Erdogan, não vai cometer esses erros, antes pelo contrário: vai reverter a situação a seu favor.

Na Realpolitik nada melhor do que uma catástrofe para promover um político.

Afinal quando nada pode ficar pior, tudo vai ficar melhor e qualquer medida imediata, seja qual for, será bem-vinda e vai gerar indicies de popularidade positivos.

Nunca nenhum herói surgiu em tempos de paz e estabilidade!

O heroísmo tem como principais alicerces a destruição, a morte e a miséria.

Nas circunstâncias mais adversas nascem os heróis, nessas circunstâncias nascem os grandes políticos (como Churchill), nessas circunstâncias nascem os grandes ditadores (como Hitler).

Por isso as medidas estrondosas anunciadas pelo presidente Turco: duplicação de pagamento de subsídios e reformas, promessas colossais de construção de habituações, ajuda sem precedentes e claro, detenções de construtores às centenas, como "bodes expiatórios" para que a sede de sangue e vingança do povo seja saciada.

Porque o Estado, esse, não tem culpa nenhuma!!!

Não tem culpa de, mesmo depois dos sismos de 1999, (também chamado sismo de Cocaeli ou sismo de Gölcük, que atingiu a magnitude 7,6 ou 7,5 que atingiu o noroeste da Turquia a 17 de agosto de 1999 provocando a morte de cerca de 17 000 pessoas e deixando cerca de meio milhão de pessoas desalojadas), não ter implementado medidas de construção adequadas, não ter apoiado a população, não ter fiscalizado e garantido que as regras de edificação, de ordenamento e segurança urbana e de mitigação antissísmica estavam a ser cumpridas ou, sequer, existiam.

O governo, literalmente, negligenciou a região, muito devido, precisamente, à forte oposição ao regime, criando desigualdades e declivagens sociais, económicas e cívicas gritantes.

Por isso as ridículas medidas tomadas pelo governo, nos últimos dias, em relação ao acesso da ajuda humanitária à região afetada.


O governo de Ancara, de um dia para o outro, deixou de precisar de ajuda humanitária a todos os níveis, seja com pessoal, meios e material; deixou de permitir a entrada a Agentes Humanitárias, condicionou, em muito, a ação dos jornalistas.

Estava-se a tornar demasiado óbvio que a "grande Turquia", a ascendente potência regional, o exemplo de sucesso, de desenvolvimento, de progresso que Erdogan tanto se esforça por difundir, tanto interna, mas, fundamentalmente, externamente, é, apenas e só apenas, um frágil cenário de um teatro ridículo de má qualidade.

A Turquia é um país em profunda crise, com instabilidade internas muito perigosas, com desigualdades sociais gritantes, com um crescente desequilíbrio entre litoral e interior e completamente dominada pela corrupção e pelo crime organizado.

Também é um Estado dominado pelo despotismo, em que uma "ordem instalada", dominada pelos todos-poderosos Serviços Secretos Turcos, altamente fiéis ao Presidente, dominam, por completo, o país, com a justificação que estão a combater o terrorismo encarnado no PKK, grupo de facto terrorista que apoia a independência do Curdistão.

A Turquia é, sob todos os pontos de vista, um "barril de pólvora" político em que, tarde ou cedo, um interior esquecido, negligenciado e empobrecido, se vai insurgir contra um litoral rico, ocidentalizado e favorecido.

E isso terá impacto enormes na geopolítica e geoestratégia internacional.

E é esta Turquia que Recep Tayyip Erdoğan tem de esconder dos olhos de todos, é esta Turquia em colapso que não pode vir a público, que não pode ser conhecida nem sabida.

E era essa Turquia que os Agentes Humanitários e jornalistas, que estavam na área do sismo, estavam a descobrir, a ver, a divulgar.

Assim, e como sempre, será feito o que tem que ser feito.

A corrente partirá pelo seu elo mais fraco.

E porquê? 

Basta referir que a Turquia é a ligação entre a Europa e a Ásia.

Em rigor, controla o acesso ao estreito do Bósforo e com isso ao Mar Negro (e, consequentemente ao Mediterrâneo e, consequente ao canal do Suez) e às principais rotas de abastecimento da Rússia, da Ucrânia, da Geórgia, da Roménia e da Bulgária, isto diretamente; mas com grande influência nas rotas marítimas, tanto de escoamento como de abastecimento, da Polónia, da Hungria, da Eslováquia, da República Checa, Áustria e, mesmo, da grande Alemanha, que preferem a rota terrestre até ao Mar Negro e, a partir daí seguir por via marítima, do que fazer toda a rota do Norte (que implica todo o mar do norte (nem sempre navegável por causa do gelo), passando o canal da mancha, contornando a península ibérica e, para, aí sim, estar no Atlântico para ter acesso ao Indico e mesmo ao Pacifico onde estão, atualmente, os grandes centros de consumo).

A diferença das duas rotas é de dezenas ou mesmo centenas de milhas náuticas, logo de centenas ou milhares de milhões de USD!

A opção é simples, a decisão óbvia, custe o que custar, doa a quem doer, sofra quem sofrer!


Posição do Estreito do Bósforo no contexto geoestratágico
Posição do Estreito do Bósforo no contexto geoestratágico

E quem controla o minúsculo, mas tão imensamente estratégico estreito do Bósforo, controla tudo isso.

E Erdoğan, controla, e cada vez mais, o Bósforo.

Até pode não controlar o interior do país (e não controla), o Curdistão e todo o sul da Turquia, mas controla, de um modo muito "sólido" e eficaz, tudo o que fica a norte de Ancara, se mais não for, porque tem o apoio de grande parte da população dessas regiões.

E o presidente turco controla tudo isso!

Milhares de milhões de USD todos os dias em trânsito, importações e exportações, e dependências que não podem ser supridas sem enormes impactos na economia ocidental, em especial na europeia.

As consequências reais?

Passado o primeiro impacto e horror, as primeiras equipas de ajuda humanitária regressarão ao ocidente e não serão rendidas, o mesmo se passará com as equipas de reportagem...

E a população lá ficará, no meio dos escombros, tentando reerguer, mais uma vez, uma miséria anunciada e destinada, tentando fazer alguma coisa de coisa nenhuma, sobrevivendo, dia a dia, quase hora a hora, num país cada vez mais desigual, mais injusto, menos humano.

Recep Tayyip Erdoğan vencerá a eleições, a Turquia será, cada vez mais, uma potência regional; tarde ou cedo será admitia na União Europeia; será cada vez mais bajulada pela NATO que, por todas as razões já anunciadas e, MUITO, por causa da Rússia, não pode, sob pretexto nenhum, perder o apoio do Presidente, e, assim, a mesma simpatia e encenação continuará, como sempre.

E as vítimas?

Essas, como sempre, esperarão, em vão, aquilo que todos lhe prometem e ninguém lhes dá: o direito à humanidade.



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