A GERAÇÃO DOS GÉNIOS INSTANTÂNEOS e os arrogantes do conhecimento

18-04-2023

"Ao ouvir estas palavras, Zaratustra cumprimentou o santo e disse-lhe: "Que teria eu para vos dar? O que tens a fazer é deixar-me caminhar, correndo, para vos não tirar coisa nenhuma".

E assim se separaram um do outro, o velho e o homem, rindo como riem duas criaturas.

Quando, porém, Zaratustra se viu só, falou assim, ao seu coração: "Será possível que este santo ancião ainda não ouvisse no seu bosque que Deus já morreu?"


ASSIM FALAVA ZARATUSTRA: Um livro para todos e para ninguém

Friedrich Nietzsche




Um tema que já abordo há algum tempo, tanto em aulas como em simples conversas com amigos, é a precocidade com que, atualmente, se sobe nas carreiras, se ocupa cargos de chefia, se atinge posições cimeiras de decisão em organizações, instituições, empresas.

De facto, uma das grandes benesses que a época moderna nos trouxe foi a democratização do ensino, e o ensino em toda a sua amplitude, do primário ao universitário, e, até, mais recentemente, a altos graus académicos como mestrados, doutoramentos e mesmo pós-doutoramentos.

E isso é inegavelmente bom.

Também, e em simultâneo, não sei bem se causa, consequência ou simples acaso (ou a junção dos 3 fatores), a evolução dos vários ramos da ciência, do saber e do conhecimento também tiveram um desenvolvimento prodigioso.

O que a confluência destes fatores provoca é algo de magnífico: pessoas que cada vez mais cedo sabem mais sobre as suas áreas, saberes e atividades.

E isso é bom.

É!

Mas como em tudo e tudo, tem o seu lado macabro, pernicioso e perigoso.

Por um lado, o facto de atingirem, muito cedo, o topo das suas carreiras, gera um vazio de expectativas, progressão e objetivos de futuro.

Mas a esse assunto, também ele preocupante, voltaremos em outra ocasião.

Hoje, sobre o que quero refletir, é que se por um lado, os nossos jovens, sabem cada vez mais e cada vez mais cedo falta, e muito, algo, fundamental, para moderar a presunção, a arrogância e a sobranceria que o saber e o conhecimento trazem, inevitavelmente: a experiência e a maturidade.

Viver os dias, sofrer derrotas, enfrentar dificuldades, ultrapassar obstáculos, até mesmo ser vítima de injustiças e incorreções não contribui, em definitivo, para a evolução da ciência, mas ajuda, em muito, a construir a vertente humana do indivíduo.

Ter a noção clara e límpida da fugacidade de tudo, da real importância das coisas, de que o mundo, a vida, não segue somente a lógica granítica do que, idealmente, devia ser, e que o acaso, o inevitável, o imponderável e o incontrolável também existe e que, com humildade, temos que a isso nos resignar, é algo que muita falta faz aos jovens génios que trepam carreiras e escalam promoções à custa somente de sebentas e compêndios (agora tudo digital).

Falta "tarimba", falta a cicatriz, falta muito realismo, falta muita humildade, falta muita humanidade, falta "calo" e falta muita formação humana, de princípios, de carácter, mas daqueles que se aprendem e adquirirem e não daqueles que se idealizam no conforto fofo das redomas parentais.

Redomas parentais umas hiper-protecionistas, que fazem com os "meninos" nada de negativo e "amargo" enfrentem, outras, pelo contrário, opressoras, em que os pais projectam nos filhos a derradeira e desesperada possibilidade de realizarem, neles e por eles, os seus sonhos, as suas aspirações, as suas vidas, fazendo os filhos "expiarem" as suas frustrações, amarguras e desilusões.

Em ambos os casos, os "génios da redoma" tem a altivez da superioridade bacoca e livresca da presunção da capacidade de ser, mas capacidade que não foi adquirida mas simplesmente transmitida, não foi vivida mas somente idealizada, não foi experimentada mas somente conceptualizada.

Por isso nunca se ouviu tantos dizer tanto "nunca", "sempre" jamais", "inquestionável". Nunca tantos viveram no seu mundo isolado e arrogante de absolutos inquestionáveis e inalienáveis porque nunca tantos desconheceram tanto que, neste mundo, não há "sempres" nem há "nuncas", que não existe o "tudo" assim como não existe o "nada", que não há verdades absolutas nem mentiras totais e que, de facto, todos somos capazes de absolutamente tudo porque nenhum de nós controla o tempo, as circunstâncias e que, qualquer um de nós, perante o extremo, é capaz de todos os impensáveis, mas mesmo de todos, sendo esse, precisamente, o único "todo" que existe.

Temos muitos jovens génios, mas estamos com uma falta dramática de mulheres e homens, que até saibam menos, até sejam menos capazes, mas sejam, em simultâneo, mais humildes, mais humanos, mais falíveis.

Porque, tem de se assumir: a falibilidade é um ingrediente central e fundamental na evolução de cada um, tanto enquanto indivíduos como enquanto espécie.

Aprendemos tanto (ou mais) quando falhamos do que quando alcançamos, evoluímos muito mais na adversidade do que na prosperidade, conquistamos muito mais na derrota do que na vitória.

E é isso que esta geração de génios precoces não sabe, não aprendeu, não admite: o falhanço, a adversidade, a derrota.

Não sabem, porque ninguém lhes disse (antes pelo contrário) que o saber, o verdadeiro saber, não são Terabytes de conhecimentos nem pilhas de certificados e cargos. 

Sabedoria é ter a noção clara da nossa simplicidade, da nossa temporalidade, da nossa falibilidade, da nossa fragilidade perante uma vida finita, frágil e, no fundo, em si e per se, insignificante.

Afinal é, essa consciência de sermos uma gota de água num oceano de outros tantos como nós, não melhores, não piores, mas diferentes.

Essa consciência de nunca dizer "nunca" porque, de facto e em rigor, nascemos e morremos, sem nos conhecermos ou saber quem somos, de onde vimos e, no final desta aventura, para onde vamos.

Também eu já fui um jovem génio, também já eu tive os meus "nuncas" e os meus "sempres", um dia também eu já impus as minhas fronteiras e os meus limites que, sob nenhuma circunstância, ultrapassaria e coisas que, em nenhuma hipótese ou cogitação, faria.

Mas depois vieram os anos, os dias, as horas e, uma a uma, como pedra a pedra, derrubaram a arrogância e deixaram somente aquele que existe: o Homem, nu, simples, frágil e assustado e realista em que, a realidade, se faz de outras circunstâncias, de outros fatores, de outras vontades, umas que controlamos, outras nem por isso, outras nem sequer imaginamos.

Essas borboletas que teimam em bater as asas numa floresta qualquer e causam as tempestades ou as bonanças imponderáveis na vida de cada um de nós.

Por isso, os responsáveis pela formação e pela educação dos mais jovens tem, urgentemente, de começar a introduzir nos percursos de ensino e aprendizagem, antes de mais e primeiro que tudo, tempo, tempo para que se faça o caminho, tempo para a caminhada, tempo para se adquirir experiência, tempo para errar e aprender nesse errar insubstituível em qualquer saber e em qualquer aprendizagem digna desse nome.

Depois tem de introduzir a humildade, o respeito e a noção que, de facto, a experiência, a idade, são, também, um estatuto que é preciso ter em consideração.

Simplesmente porque não há livro ou conceito, verdade ou Lei que substitua as desilusões, frustrações e amarguras que, no caminho, tivemos de enfrentar e ultrapassar.

E também tempo para que se adquira maturidade, vida, horizontes, que se entenda que o mundo é muito mais largo do que os nossos olhos podem alcançar quando estáticos no conforto cobarde da sapiência autoassumida.

Ou, então, a consequência será, até mais cedo do que previa Friedrich Nietzsche, o tão sonhado e utópico Super Homem será o fim e a destruição do próprio Homem.

Como postulava o filósofo, seres Geniais mas vazios, conhecedores mas inúteis, perfeccionistas mas inconsequentes, Seres de um mundo que tanto vão idealizar que nunca o conseguirão concretizar.

E tudo será perfeitamente inexistente, absolutamente nulo e totalmente inútil.

E eles dirão, então, como Zaratrusta, que Deus morreu, porque o não há outro Deus para os Génios que não sejam eles próprios.


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