A DERROTA RETUMBANTE DE LULA DA SILVA (EMBORA TENHA VENCIDO!)

31-10-2022

Luiz Inácio Lula da Silva é o novo Presidente do Brasil.

Isto é um facto!

Parabéns!

Mas esta vitória foi, do ponto de vista de análise política, uma imensa e retumbante derrota que não augura nada de bom para o Brasil nos próximos tempos.

Vamos por partes!

Quando Lula se viu ilibado do processo judicial que o mantinha preso e de todas as acusações que lhe eram imputadas (absurdas, a meu ver) só uma coisa lhe passou pela cabeça: vingança!

E como se vingaria ele?

Obviamente vencendo Bolsonaro nas urnas, humilhando quem o humilhou, esmagando-o e provando que o povo também se engana.

Era uma linha de raciocínio válida e com tudo para vencer.

Afinal, depois de 4 anos de mandato de Jair Bolsonaro, era mais do que óbvio que ninguém, com um mínimo de racionalidade, voltaria a votar nele. Os constantes disparates, a gestão errática, a comunicação caótica, a política (tanto interna como externa) inexistente e/ou inconsequente... para quem analisa a situação política brasileira do exterior era mais do que obvio que Jair Bolsonaro não venceria estas eleições.

Assim pensei eu, assim pensaram muitos, assim pensou Lula da Silva.

E todos estávamos errados!

Lula venceu, mas venceu com 50,9% dos votos contra 49,1% de Bolsonaro.

E Luiz Inácio Lula da Silva nunca, mas nunca, poderia ter uma vitória deste género. Porque, depois de tudo o que se passou, ganhar assim não é vencer, é antes não perder e tudo isto tangencialmente.

A vingança sonhada e planeada por Lula teria que ser expressiva, retumbante, avassaladora, humilhante para Bolsonaro e seus apoiantes. Devia ser uma vitória consensual, devia ser unificadora, demonstrar que o povo brasileiro estava unido contra Bolsonaro, contra as suas políticas, contra o seu modo de ser e estar em política. Lula devia tornar-se o polo aglutinador da "renovação brasileira", do "renascer", depois do período "obscuro" do "Bolsonarismo". E a vingança, essa, devia ser, como todas as boas vinganças, sanguinária e exemplar. Afinal, como dizia John Le Carré "nunca se deve maltratar um inimigo pela metade". Ou é ou não é! Porque, não sendo, o inimigo, envergonhado e humilhado, voltará mais forte, mais determinado, mais motivado.

Mas nada disso aconteceu e esteve muito longe de acontecer. 58 206 354 brasileiros não se convenceram com o discurso de Lula e preferiam a estupidez de Bolsonaro à demagogia social do candidato do PT.

Se analisarmos ainda com mais atenção os resultados de domingo vemos que, no "mundo real", a democracia, desta vez, não refletiu a verdadeira sociedade e as suas fontes de força e tensão.

Lula garante quase 51% dos votantes mas esses votantes representam menos de 20% do PIB e menos que 10% do capital Brasileiro. A maioria do Lula não lhe dá o controlo dos sectores chave da sociedade onde, agora sim, terá uma fortíssima oposição. Comercio, indústria, sector tecnológico, indústria petrolífera, agropecuária, atividade mineira, todos se concentram contra Lula. As "causas fraturantes" a que o PT recorreu para conseguir o apoio do mosaico imenso de minorias que deram a vitória ao seu candidato (muitas delas repletas de méritos e legitimidade), antagonizaram, em muito, quase todos os sectores produtivos da sociedade brasileira. Porque as "causas fraturantes", são isso mesmo, "fraturantes" e, em política real, na Realpolitik, nunca se quer fraturas, mas antes consensos, entendimentos, compromissos. E se Lula tenta obter, agora, esses compromissos perde os grupos das tais "causas" que o elegeram, se não tenta obter compromissos perde o sector produtivo da nação.

Simples!

E se até aqui, em anteriores mandatos, os sectores produtivos viram Lula ainda com alguma esperança, ainda com alguma tolerância, dando-lhe uma espécie de "estado de graça", agora não lhe darão tais benesses.

Como já afirmei, Lula, para vencer estas eleições teve de endurecer o discurso à esquerda, impossibilitando qualquer acordo possível nos sectores liberais da indústria e do comercio. Para esses sectores, que são, afinal, a economia brasileira, Lula deixou de ser um simples opositor para ser um alvo a abater.

Em termos internos Lula perde as 3 maiores cidades do país para Governadores fiéis a Bolsonaro: Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Não são só as maiores cidades em termos de população, também o são em termos económicos representando mais de 60% da riqueza e do investimento brasileiro.

Em Brasília, o cenário não é mais animador: Bolsonaro controla quase 50% do Senado (40 dos 81 senadores que iniciarão a legislatura em fevereiro de 2023, com o PT a controlar 4, sendo, os restantes, de outras forças políticas, a esmagadora maioria de direita) e cerca de 36% do Congresso (com Lula a controlar, apenas, 26%). Isto é: por muito que Lula queira fazer, mudar, alterar, todas as suas intenções colidirão numa muralha de aço de uma oposição acossada, envergonhada, com sede de vingança e ganas de ódio.

Para além disso o Partido Liberal (PL) de Bolsonaro tem uma grande base de possibilidade de alianças e entendimentos, especialmente junto do PP e dos Republicanos, mas também junto do "centrão" de que Lula se afastou durante a campanha. Por sua vez Lula somente tem o PT, quase sem possibilidade de alianças, de entendimentos e muito menos pactos de regime. Lula é um Presidente sem apoio em ambas as câmaras do parlamento brasileiro, isto é, sem possibilidades de, efetivamente, governar.

O cenário piora ainda mais (e desculpem-me o pessimismo de hoje) quando analisamos, em detalhe, quem votou em quem no passado domingo.

Afinal quem elegeu Lula? Foram as classes menos favorecidas, tais como desempregados, dependentes da "bolsa família", os eternos "sem-terra", a população das favelas e dos morros, e, também, as minorias que lutam pelos seus direitos e pela sua autodeterminação tais como os povos indígenas, comunidade LGBTI+, ambientalistas, católicos da Teologia da Libertação, Evangélicos não alinhados, comunidade islâmica (incluindo a radical), entre muitos outros. Com todo o respeito e mérito que dou a alguns (e a só alguns) destes grupos e às suas causas mais que meritórias, constituem um mosaico disforme, muitos deles com ideais antagónicos, sem nada que os una para além do ódio a Jair Bolsonaro, e que, em termos de impacto na cadeia de valor e economia do país, assim como em termos de capacidade de pressão política atuante e concertada, não tem qualquer tipo de expressão.

Por sua vez, quem votou em Bolsonaro, foram os quadros médios e superiores, as elites formadas e instruídas, os empresários, comerciantes, industriais, investidores, empreendedores, isto é, a franja produtiva, contributiva e dinâmica da economia brasileira. Alguns deles (muitos deles até) odeiam Bolsonaro, mas preferem um liberalismo idiota a um socialismo inconsequente. Ao contrário do eleitorado de Lula, o de Bolsonaro tem algo que o une e congrega: o estabelecimento de um estado liberal, capitalista, numa economia de mercado, um estado em que a classe produtiva não tem que suportar um estado assistencial parasita e acomodado à sua condição de dependente.

E, fundamentalmente, o eleitorado de Bolsonaro quer segurança, quer sair à rua sem medo, quer mandar os filhos para a escola sem receio, quer viver sem estar sempre no pânico constante de uma luta entre gangues, entre traficantes, entre ladrões. Mesmo que, para isso, seja preciso abdicar de alguns (muitos) direitos, liberdades e garantias. Quando a vida está em constante risco, a Democracia e a Liberdade passam a ser conceitos abstratos. A história está repleta destes exemplos, nenhum deles com final feliz.

Bolsonaro promete essa segurança, essa ordem, essa paz podre de um arcaico "deus, pátria, família" pelo quais muito aspiram em oposição à insegurança crescente das ruas brasileiras. No seu mandato não consegui grande coisa mas alguma coisa conseguiu.

Por sua vez Lula não só não promete essa paz como já demonstrou que não consegue impor a Lei e a Ordem que as classes mais abastadas exigem.

Em termos de política externa nada a acrescentar. Bolsonaro não tinha aliados e os poucos que tinha eram ditadores e páridas políticos como Vladimir Putin. Lula tinha mas deixou de os ter. Alguns aliados tradicionais de Lula são agora "radioativos" na geopolítica internacional como é o caso de Nicolás Maduro ou Pedro Castillo. Os outros perderam relevância.

Na velha Europa Lula pode esperar uma indiferença muito pragmática, mesmo dos países governados por partidos de esquerda como Portugal. Haverá apertos de mãos, lindos discursos, mas nada mais. Afinal ninguém está para apoiar alguém que, sendo Presidente, nada pode, nada manda e, literalmente, está a prazo.

A boa política pragmática europeia aguarda, já, como nas telenovelas da Rede Globo, as "cenas dos próximos capítulos".

Assim, a vitória de Lula, sob este prisma, é, como bem se vê, mais uma derrota.

Afinal de que adianta, no mundo atual, no mundo do mercado e dos capitais, governar aqueles que nada tem, que nada podem, que nada decidem, tendo, por sua vez, todos os outros, os que podem, os que tem, os que decidem, contra ele?

Que poder, de facto, tem Lula da Silva?

Nenhum ou quase nenhum!

Luiz Inácio Lula da Silva ganhou um cargo, um posto, não ganhou um país!

Lula é presidente de um país ingovernável, dividido, fragmentado onde Bolsonaro, perdendo, é o grande vencedor. Porque perdeu a eleição mas ganhou uma base que, no futuro, pode capitalizar muito a seu favor.

Países em crise, em convulsão, em ingovernabilidade são bons para as oposições, mas péssimas para governantes.

E, não nos podemos esquecer, que Lula joga a sua última cartada política que, obrigatoriamente, tinha de vencer inequivocamente. Não o fez.

Lula não tem futuro, Bolsonaro tem.

E se não tem ele pessoalmente tem os seus filhos e os seus muitos "discípulos". Porque Bolsonaro não fundou um partido ou uma ideologia: fundou um movimento quase de cariz religioso em que ele é o Messias (e não só de nome). O "Bolsonarismo" tem sérias possibilidades de continuidade tanto pelas pessoas que o constituem como pela capacidade de "encaixe" ideológico. Bolsonaro, como não tem ideologia nenhuma, pode adequar-se a qualquer uma desde que lhe traga visibilidade, popularidade e votos.

Por seu turno, Lula não tem decentes. O seu egocentrismo eclipsou toda a hipótese de sucessão. Para além disso o comunismo, mesmo o socialismo, o ativismo sindicalista, a luta contra a ditadura e o regime militar, tem agora lugar em museus e não na política ativa. Lula é um fóssil político que, em vez de aproveitar esta oportunidade de ouro para renovar o Partido dos Trabalhadores, de atrair outro eleitorado, de avançar para um socialismo de mercado, mais próximo da social-democracia moderna do que do Leninismo do passado, não consegui resistir à ambição de poder, fascinado por si próprio, agarrado, qual naufrago, ao seu estatuto que pensava intocável e incontestável e que, afinal, não é.

Neste contexto Lula tem duas hipóteses de governar, nenhuma delas boa: ou satisfaz o seu eleitorado antagonizando ainda mais aqueles que dominam o capital, o investimento e geração de valor, acabando por paralisar a economia brasileira e gerando uma crise sem precedentes, ou, então, tenta aproximar-se do eleitorado de centro-direita, aliviando a carga fiscal sobre empresas e classe média/alta, tendo, assim, de conter os gastos no Estado Assistencial o que implicará, diretamente, perder o apoio daqueles que o elegeram, gerando ondas de manifestações de descontentamento e uma crescente oposição interna no seu partido.

Numa hipótese ou noutra Lula perde.

Numa hipótese ou noutra o Brasil perde.

No domingo Lula ganhou uma eleição, Bolsonaro ganhou um país.

Lula preside, Bolsonaro governará.

Para isto basta que Bolsonaro faça um simpático discurso de aceitação de derrota e dê indícios que "a luta continua", mobilizando, agregando e motivando os 49,1% que nele votaram. Depois bastará esperar a desgraça certa de Lula e surgir, radiante, como o Salvador da Pátria. Simples e sem grandes desgastes ou riscos!

Há, no entanto, uma única hipótese desta previsão quase apocalíptica não se concretizar: é Bolsonaro não controlar a ala mais radical dos seus apoiantes e tentar ações violentas e terroristas contra o poder instituído. Aí, num volte-face imediato, Bolsonaro perderá uma enorme franja dos que nele votaram. Porque, nessa circunstância, não poderá capitalizar o seu maior trunfo: a promessa de um Brasil seguro.

Mas, mesmo que isso aconteça, o eleitorado de Bolsonaro nunca se aliará a Lula. Nessa circunstância hipotética nomes como Ciro Gomes ou Simone Tebet podem, finalmente, ganhar verdadeiro capital político e ser a oposição a Lula da Silva.

A ver vamos!

Porque muita coisa haverá ainda para ver!