A “Crazy season”

05-09-2023

Quando comecei nestas lides da inteligência estratégica, geopolítica e geoestratégia, o mês de agosto era designado por Silly Season.

De facto, não se passava nada, ninguém fazia nada, ninguém se queria incomodar com nada e, os órgãos de comunicação social, faziam o que podiam para "encher" os espaços informativos com "tolices" (daí o nome de Silly) pois não havia nada de, de facto, relevante para noticiar.

Mas este ano quebrou-se esta regra e foi uma loucura de acontecimentos e não acontecimentos (que, na Realpolitik tem tanto ou mais importância do que os acontecimentos).

Vamos então a um breve resumo das principais:

1 - E Putin, como esperado e anunciado fez o seu Xeque-mate a Yevgeni Prigozhin, decapitando, completamente o grupo Wagner.

Era o esperado, como referi no meu texto "Gambito de Dama".

Prigozhin achou-se tão impune, acreditou tanto na sua superioridade, deu tão por certo a sua vitória, que se meteu num avião, com o seu número 2, Dmitry Utkinem, em pleno espaço aéreo russo, e logo na área entre Moscovo e São Petersburgo, completamente controlado por Putin.

Teve o destino que tem todos os que facilitam e subestimam o inimigo.

Muitos afirmam que Putin só resolveu a aparência do problema, mas não o problema em si: que a tentativa de golpe pôs em causa a sua invencibilidade, que o tornou mais vulnerável, que, de facto, Prigozhin tinha razão e as elites militares russas são o zénite absoluto da incompetência, da corrupção e do clientelismo, incapazes de vencer uma guerra contra um inimigo muito inferior.

Concordo com tudo.

Mas Putin é, antes de mais e primeiro que tudo, um homem da Realpolik e sabe que os problemas não se podem resolver todos ao mesmo tempo nem todos de forma perfeita e, alguns, nem é possível resolver.

Por isso fez o que todas as pessoas que entendem, de facto, de política real fazem: resolve os que pode, espera que alguns desapareçam ou se resolvam só por si (e são a esmagadora maioria) e aceita os que, inevitavelmente, não pode resolver, tentando, perante a situação, minimizar os danos.

Yevgeni Prigozhin era um problema?

Era!

Está resolvido: um a menos.

2 - A Ucrânia e os seus geniais aliados anunciaram uma poderosa e temível contra-ofensiva.

Foi a primeira vez que tal aconteceu num conflito armado pois as ações militares, especialmente as de reação, nunca se anunciam, pois, perde-se, de imediato, os mais importantes e determinantes fatores do ataque: o fator surpresa e a capacidade de iniciativa.

Mas Volodymyr Zelensky acredita tanto em si e na sua causa e sabe tão pouco de tudo isto que anunciou o enunciável.

Esquece-se que as guerras de verdade não se vencem com indicies de popularidade ou com métricas de feeds em redes sociais.

As guerras reais vencem-se com planeamento, tática, organização e com muita, muita astúcia. Especialmente a "guerra das sombras" que, é, nitidamente, aquela que Putin está a travar.

Claro que a contra-ofensiva falhou e tivemos agosto todo com notícias que, de facto, pareciam sair da antiga Silly Season: a Ucrânia ter conquistado 600 metros de frente ou dominado uma aldeia…

Se é um facto que a Rússia não está a conseguir vencer a guerra, outro facto é que a Ucrânia também não.

Estão todos a perder, num ambiente ridículo de glorificação de vitórias pírricas, que não levam ninguém a lado nenhum e que só geram mais vítimas.

E, se Zelensky e os seus aliados, entrarem numa guerra de desgaste, como parece ser a intenção atual do novo comando de operações russo, é muito fácil de antever para que lado vai a vitória.

3 - Os líderes da União Europeia sabiam uma coisa: esta guerra tinha de terminar este verão.

Como já expliquei neste espaço, se no primeiro inverno a Europa tinha reservas energéticas e alimentares, e se, no segundo inverno, já não tendo reservas, tinha divisas para as adquirir (embora a um preço exorbitante implicando grande esforço para o comum dos cidadãos com o escalar da inflação, das taxas de juro, etc.), neste terceiro inverno de conflito a Europa não tem nem uma coisa nem outra.

Também está quase sem margem de pressão tanto sobre cidadãos como sobre empresas, já nos limites extremos da sua capacidade contributiva.

Sem liquidez, com cargas fiscais enormes, a perder mercados por falta de competitividade, o Ocidente e muito em especial a União Europeia, está cada vez mais frágil, mais vulnerável, mais dependente, tanto em termos económicos como em termos políticos, sociais e mesmo humanitários.

Tentou-se uma solução absurda e ridícula de alterar os fluxos de escoamento comerciais (em especial agrícolas) da Ucrânia.

Mas, como é obvio, logo estes foram sabotados pela Rússia.

Assim a ineficiência, a incompetência e a incapacidade da União Europeia e dos seus dirigentes levará a guerra para um terceiro inverno.

O Chefe de Gabinete do Secretário da NATO desabafou o óbvio: uma solução viável implica cedências de ambos os lados.

Foi demitido.

Ser demitido por se estar certo e afirmar o obvio é triste, muito triste.

Veremos quanto vai custar e quais serão as reais consequências dos sonhos utópicos de uma vitória absoluta ucraniana de Volodymyr Zelensky e dos seus queridos amigos europeus e americanos.

4 - E enquanto a Europa sonha, a China pula e avança (mil desculpas ao António Gedeão).

Como?

Jogando uma guerra sem armas, sem disparos, sem exércitos.

E como fez isso?

Reunindo o grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e propondo soluções realistas e vantajosas para todos, mas, principalmente, para a própria China. Soluções que, aos olhos do simples cidadão, podem não significar nada, ou ter pouca importância, mas terão mais impacto que armas nucleares: a substituição do dólar como moeda de referência, as alterações de rotas comerciais, o acesso preferencial da China a recursos naturais, energéticos e tecnológicos, são ações que, simplesmente, alterarão todo o contexto Geopolítico, Geoeconómico e Geoestratégico.

Quando vi a reunião dos BRICS e os Chefe de Estado do Brasil, da África do Sul, da India e o representante da Rússia em volta do Presidente da China, Xi Jinping , como súbitos contentinhos e satisfeitos, lembrei-me de uma celebre frase de Lord Nelson "Todos os impérios são invencíveis até à sua queda".

E é isso que está a acontecer.

Enquanto os Estados Unidos se distraem em joguinhos de poder, em questiúnculas internas e em intenções irrealistas a China conquista o mundo.

O mais alarmante é os países que pediram para aderir ao grupo do BRICs: Argentina, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e o Irão!!!! Isso mesmo!!!!

Se estas adesões se confirmarem, a China fica a dominar o mundo em termos de recursos naturais, recursos energéticos, rotas comerciais já para não falar de poder de influência e ascendente diplomático.

Será uma nova ordem mundial em que, os Estados Unidos e, com ele, os seus velhos e submissos aliados como a União Europeia e, também, o Reino Unido (mais salvaguardado por nunca ter abdicado, por completo, de um certo "orgulhosamente sós") perderão o domínio, a hegemonia, a capacidade de influência, em que o Ocidente pontifica desde o século XV.

Enquanto todos estávamos a banhos, a China, que nunca tira férias, tratava de dar passos decisivos para a implementação e consolidação de uma nova ordem mundial, um novo período da história, uma nova globalização.

E tudo isto sem disparar um só tiro, sem necessitar de biliões, sem provocar grande alarido.

Afinal… não passou de uma reunião.

Mas voltaremos a estes temas mais tarde pois, todos eles, merecem bastante atenção e aprofundamento.

Afinal, são eles que condicionarão, fortemente, a vida de todos nós num futuro próximo, e, ainda mais, a médio e longo prazo.

Por isso este agosto esteve longe de ser uma silly season e foi mais uma crasy season, embora os nossos líderes não tivessem notado e tenham continuado a banhos ou a repetir o que já se sabe, ou o que não existe, ou não vai resultar, ou é uma estupidez completa.

E com o mesmo de sempre entramos no segundo semestre sem soluções, sem decisões, a lutar contra os inimigos errados, a travar batalhas inúteis e a pôr em causa um mundo e os ideais do mundo democrático que deviam ser mantidos, protegidos e salvaguardados a todo o custo.

Pagaremos amanhã com realidade as utopias de hoje.

Veremos quem poderá pagar esse preço.