3 REFLEXÕES SOBRE AS ELEIÇÕES NORTE AMERICANAS

22-07-2024


Perante o "terramoto" que afetou as Presidenciais Norte Americanas no passado Domingo, com a desistência de Joe Biden da corrida em favor da sua "vice", Kamala Harris, escrevi 3 reflexões que fui publicando.

"Condenso" aqui as 3 para uma leitura mais "continuada" e lógica desde acontecimento analisado de 3 perspectivas distintas.


BIDEN

Aqui há uns tempos, deu-me para me armar em "carapau de corrida" e criei um princípio. Chamei-lhe "princípio do guarda-redes". Pensei que, na política, se passa o mesmo que com os guarda-redes no futebol: nunca ninguém se lembra (salvo raríssimas exceções) das milhares de defesas que um guarda-redes faz ao longo da sua carreira, mas somente dos "frangos" que deixou entrar, em especial aqueles que resultaram numa derrota.

Com Joe Biden passa-se exatamente isso: com uma carreira política impoluta em 50 anos nas lides do poder em Washington, será recordado por esta desistência forçada e inglória, quase vergonhosa.

Fragilizado, com uma contestação interna crescente e impiedosa, com os aliados de uma vida a virar-lhe as costas, a ter de enfrentar a ingratidão e a deslealdade, Biden falhou nesta análise de si mesmo e da sua recandidatura.

Acredito que o tenha feito pelas melhores razões: evitar uma vitória de Trump.

Mas não se recordou de uma velha máxima militar: há batalhas que se ganham simplesmente ao não se participar nelas.

Mas o que está feito, feito está.

Espero que a história faça justiça a Biden e seja recordado como um bom homem, um patriota, que dedicou a vida ao seu país e, de alguma forma, à democracia como um todo; um homem que tentou devolver a racionalidade a um país mergulhado em radicalismos e extremismos, que, contra si, só teve a inglória de tentar travar batalhas de hoje com táticas de ontem.

KAMALA

Como já disse várias vezes, sempre pensei que a candidatura de Joe Biden em 2020 era um "trunfo" do Partido Democrata para derrotar Trump e que o seu mandato serviria para "lançar" Kamala Harris para uma candidatura em 2024.

Mas desde cedo foi notório que, se esses eram os objetivos do partido, não era esse o plano do Presidente.

Biden assumiu o protagonismo, "empurrando" para Kamala os dossiês mais "quentes" e "problemáticos" para se manter longe de "problemas" e do desgaste público.

Mas Biden não contava com a "traição" da natureza que o envelheceu e desgastou imensamente nestes 4 anos, nem tampouco com o seu próprio partido, no qual ele milita há mais de 50 anos e ao qual deu, tanto como senador quanto como vice-presidente e depois presidente, tantas e tão expressivas vitórias (Biden foi o candidato presidencial mais votado de sempre).

Forçado a desistir, é agora Kamala Harris quem, mais do que conquistar a presidência, tem de derrotar Donald Trump numa campanha que se adivinha dura, intensa, vergonhosa e sem qualquer tipo de dignidade.

Sem tempo, sem uma "máquina" que a apoie inquestionavelmente, sem um "posicionamento presidencialista", sem ter conseguido, durante o seu mandato, "brilhar" e destacar-se, Kamala terá uma tarefa hercúlea para fazer frente à "máquina compressora" da campanha de Trump.

É possível Kamala vencer Trump?

É!

Mas tem de ser imensamente rápida e eficaz em tudo o que fará a partir de hoje.

Terá de ser, literalmente, impiedosa e perfeita para poder vencer Trump e não poderá "ceder" a algumas tentações, tais como tentar vencer Trump no seu "terreno", na sua "zona de confronto".

A única hipótese de Kamala vencer estas eleições é não confrontar Trump, não discutir com ele, não o enfrentar (a estupidez vence sempre a racionalidade, porque se a racionalidade tem de ser coerente, a estupidez não), mas antes passar a sua mensagem de um modo sereno, claro e frontal, e deixar que o eleitorado tire suas próprias conclusões e faça suas próprias análises.

Deixar Trump a falar sozinho e, com isso, "enterrar-se" a si próprio, tendo de extremar progressivamente o seu discurso, é a única hipótese de os democratas e Harris vencerem estas eleições.

Veremos se os "estrategas" democratas têm essa astúcia e se os estrategas republicanos "morderão o isco".


O CONFRONTO

Convenhamos que ninguém neste mundo, no seu bom juízo, quer fazer campanha contra Donald Trump.

Desprovido do mais básico sentido de "nível" e de decência, sendo um exemplo total e acabado de "pato bravo", essa personagem de "reality show", grotesca e imbecil, é literalmente capaz de tudo para vencer.

Num país profundamente ignorante, extremado e dividido, esse "tudo" é mesmo muito lato, e fenómenos como as "fake news", "teorias da conspiração" e as mais absurdas irracionalidades têm terreno fértil.

Nos Estados Unidos da América, vemos claramente que a democracia é um regime que a tudo resiste, menos à estupidez e à ignorância.

Quando o "povo que mais ordena" é ignorante e alheado, é capaz de tudo, mesmo de se condenar a si mesmo.

Kamala Harris aceitou, quase num ato heroico, ser essa candidata que, por certo, terá contra ela os mais "brilhantes" argumentos de Trump e dos seus seguidores: o racismo, a homofobia, a xenofobia, a discriminação, a maledicência, o escárnio, o insulto, a manipulação dos factos e a mentira.

E é assim, e só assim, que Kamala pode vencer estas eleições: não fazendo frente a Trump.

Se Kamala tentar "jogar" o jogo de Trump, por certo perderá.

O que a candidata democrata tem de fazer é, contra o insulto, apresentar ideias; contra a maledicência, apresentar medidas; contra o escárnio, apresentar programas e deixar que Trump (que cada vez ficará mais irritado ao ser "ignorado" pela sua opositora) extreme mais as suas posições, "desça" cada vez mais baixo, perca mais frequentemente o "nível", fazendo com que, um a um, os grupos mais moderados, mesmo entre os republicanos, alterem o seu sentido de voto de Trump para Harris.

Kamala tem de deixar que Trump, enfurecido pelo não confronto (ele que precisa desse confronto extremado para vencer), mostre aos americanos quem, de facto, é, a sua verdadeira face, o seu verdadeiro pensamento (se se pode chamar pensamento) e faça com que os americanos, pelo menos a maioria, cheguem à conclusão de que Trump não mudou e que, como em 2020, não querem uma pessoa assim para seu presidente.

A política é uma "atividade" que, em princípio e no ideal, se "alimenta" de debate, de confronto, de dialética, de "conflito" de ideais, de propostas, de medidas.

Mas isso só funciona quando, de ambos os lados, existe "elevação", "nível", inteligência e boa-fé.

Quando não é assim, a democracia quase que se torna a negação de si própria e o oposto dela mesma; logo, têm de se assumir táticas quase "anti natura" para salvar a democracia de si mesma.

Neste caso, essa tática é mesmo anti natura em política: vencer não lutando, confrontar não se envolvendo, derrubar retirando.

Veremos qual a tática que os democratas assumem e como os republicanos reagem.

Disso depende o futuro dos Estados Unidos e, infelizmente, de quase todos nós.

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